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Conselho Nacional de Saúde entrevista Lígia Bahia

Ligia Bahia. Foto Lúcio Bernardo / Câmara dos Deputados

Doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Lígia Bahia falou sobre os principais pontos do projeto que pode alterar a Lei dos Planos de Saúde nº 9656/1998. O depoimento para a Revista Nacional de Saúde (RNS), do CNS, aconteceu durante a 298º Reunião Ordinária do Conselho, ocorrida dias 5 e 6 de outubro.

+ Confira aqui a publicação original na plataforma SUS Conecta

CNS – Em qual contexto político a proposição para a mudança Lei nº 9656/1998 ocorre?
Lígia Bahia – Em um contexto pesado e muito pouco democrático. O que estamos vendo hoje é um desmonte das políticas públicas. A ideia é que saúde não seja direito, mas que seja um favor, possível com a intermediação de políticos. Quero recordar que existe uma denúncia, uma suspeita de que a lei do capital estrangeiro (Lei nº 13.097, de 2015)* foi comprada. É nesse contexto que essa Comissão Especial na Câmara dos Deputados foi constituída e resolveu acelerar os seus trabalhos, propondo a votação em regime de urgência de uma nova Lei dos Planos de Saúde. Essa comissão é constituída por deputados que, tradicionalmente, não se preocupam com saúde. É composta com a presença muito grande de empresários, nas audiências públicas.

CNS – Qual sua avaliação sobre o reajuste e a possível cobertura dos planos populares?
Lígia – A proposta dos planos inclui a redução de procedimentos, como um seguro para incêndio que só cubra a cozinha. Isso não existe. Os problemas de saúde são imprevisíveis, nenhum de nós sabe porque e quando vai adoecer ou morrer. Não é possível um plano de saúde que não cubra ressonância magnética, por exemplo. Talvez quando se é jovem a pessoa pensa que não precisará, mas pode ser que daqui a 5 minutos poderá precisar.

CNS – Podemos ficar sem SUS?
Lígia – Nós vamos ficar sem SUS e sem plano. Quem é que vai poder pagar o plano barato? E barato quanto? Vai ter qual cobertura? Água e aspirina? A renda per capita da população está em torno de R$ 700. Esse é o Brasil. Esse é o país real com aproximadamente 200 milhões de pessoas que precisam de saúde, não é o país que os empresários têm na cabeça. Com o plano, a cada aniversário que a pessoa fizer 61, 62, 63… haverá um reajuste. Isso é uma pegadinha, porque na realidade está se fazendo uma extensão do reajuste para o fim da vida, no momento em que a renda das pessoas idosas decresce e a capacidade de ter mais renda diminui.

CNS – Qual análise você faz da rede privada de saúde?
Lígia – As empresas de saúde estão muito bem. Na realidade, o faturamento das empresas aumenta o tempo todo, muito mais do que todos os outros indicadores, mais do que o número de clientes, mais do que a inflação, mais do que tudo. Não é justificável que se mude uma lei porque meia dúzia de empresas está mentindo, dizendo que esta com dificuldades financeiras. Quem esta com dificuldade financeira é o povo, é o SUS. Se os planos populares forem aprovados, a saúde vai ser um acesso mitigado, racionado. Essa ideia que qualidade e excelência estão no setor privado e tudo que é de ruim está no setor público é extremamente preconceituosa. Ela não se verifica na prática. Temos uma parte da rede privada que é péssima.

CNS – Para você, que interesses que estão em jogo?
Lígia – É espantoso que o ministro da saúde defenda que temos de ter mais planos de saúde privada no país. Essa é uma grande novidade e isso sim é objeto de debate. O ministro da saúde do Brasil deveria estar preocupado em resolver os problemas da saúde e não em vender planos. Os empresários estão com interesse nas clínicas populares e têm interesse também em ampliar o atendimento nas farmácias e drogarias, para que essas redes passem a ser também unidades de atendimento. Esta é uma agenda que está muito bem implantada, sendo o tempo todo mobilizada.

*[Antes restrito aos planos e seguros, agora o capital de fora pode, de forma direta ou indireta, atuar na assistência à saúde. O que inclui hospitais (inclusive filantrópicos), clínicas e laboratórios. É o que diz, em resumo, o Artigo 142 da Lei 13.097 (que altera trechos da 8.080, de 19 de setembro de 1990, que definiu o âmago Sistema Único de Saúde — SUS)].

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