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Cenário político dá o tom na abertura da 22ª Conferência de Promoção da Saúde

Bruno C. Dias

Mais de 1.500 pessoas prestigiaram a abertura da 22ª Conferência internacional de Promoção da Saúde, realizada ontem, 22 de maio, no Grande Auditório do Teatro Positivo, na cidade de Curitiba (PR). Organizado pela União Internacional para Promoção da Saúde e Educação (UIPES), Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba e Abrasco, o encontro marca a atualidade dos debates sobre a visão ampliada de saúde, que envolve o reconhecimento da diversidade e da intersetorialidade como elemento central para qualidade de vida.

As primeiras palavras foram de Simone Tetu Moyses, integrante do comitê global de organização, que deu boas-vindas aos participantes e ressaltou valores como solidariedade e coragem, fundamentais para quem acredita em um novo tipo de fazer saúde. “Precisamos constantemente reafirmar a garantia da ética e os direitos conquistados, princípios que serão discutidos ao longo dos dias dessa conferência”, ressaltou ela.

Ronald Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), falou na sequência. Já no início, ressaltou que o debate da Promoção da Saúde, no âmbito do SUS, passa necessariamente pela valorização da democracia, um valor muito caro aos sul-americanos. “O SUS é porta de entrada de direitos sociais que visam a superação da iniquidade e ampliação da diversidade. A proteção desses direitos sociais é parte da promoção da equidade em saúde. Estou falando das UPAS, do atendimento do SAMU, da Farmácia Popular. São programas que chegam aos mais distintos rincões do Brasil e que estão ameaçados quando se fala em redimensionar o SUS. Não podemos retroceder em direitos sociais e esta conferência deve ser palco desse debate e que diga ao mundo que não há democracia no Brasil sem o SUS”.

Paulo Sávio Goes, pró-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e vice-presidente da Abrasco, falou em nome da diretoria da Associação. Conclamando os sanitaristas presentes, ressaltou que o movimento sanitário representa dezenas de milhões a cobrar o direito à saúde, tão necessário ao momento vivido no Brasil.

Afinado à nota política das entidades sobre o atual momento, Goes disse que a sociedade brasileira precisa completar a Reforma Sanitária e a reforma social, e não esvaziar ainda mais as conquistas democráticas construídas nos últimos 30 anos. “Precisamos de uma gestão pública como contraponto à terceirização e à privatização do cuidado. Não aceitaremos passivos a usurpação de direitos. A ponte que este governo ilegítimo aponta é para um país de excluídos, e isso é inadmissível. Não há promoção da saúde sem democracia”.

Joaquim Molina, representante da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) no Brasil, destacou os avanços vivenciados na saúde do continente nos últimos anos e o recente estudo da OMS que confirma o crescimento da expectativa de vida. No entanto, as desigualdades permanecem, o que exige das entidades em saúde e dos Estados-membros da Organização a construção de agendas sinérgicas, como a das doenças crônicas não-transmissíveis, orientadas pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). “Eles constituem plataformas eficazes para efetivar políticas e estabelecer metas com prioridades transversais”.

Ele ressaltou ainda a validade estratégica do Informe Regional sobre Desigualdade, que conta com análise, documentação e monitoramento de dados da região, e a visão da Organização sobre o SUS. “A OPAS compartilha das ideias do SUS. Nosso objetivo é fazê-lo mais universal e que amplie a saúde. Queremos fazê-lo cada vez mais SUS”.

Gustavo Fruet e Cesar Mont Serrat Titon, prefeito e secretário municipal da saúde, respectivamente, foram as autoridades locais presentes à abertura. Em seu discurso, Fruet destacou o investimento de acima de60% da prefeitura municipal em saúde, educação e proteção social, o que exige dos governos a repactuação das contas da seguridade social devido o aumento da demanda por conta da crise econômica.

Willian Michael Sparks, presidente da UIPES, encerrou o primeiro momento da abertura. Ele agradeceu a presença de todos e destacou que as crianças são o símbolo do futuro e são o principal motivo para as ações que serão debatidas ao longo do evento.

Para ele, a Conferência é uma oportunidade para a troca de experiências, para a constituição de redes de ação, de amizades e de fortalecimento da democracia, instrumentos necessários para a efetivação das plataformas da Promoção da Saúde. “Precisamos fazer algo para a redução do abismo entre ricos e pobres. Convido a todos para abrirmos os olhos; elevarmos nossas vozes e atuarmos neste sentido.

Austeridade faz mal à saúde: Na sequência, Marco Akerman, coordenador do GT de Promoção da Saúde (GTPS/Abrasco), e Louise Potvin, responsáveis pela programação científica do evento, destacaram os simbolismos que esta Conferência carregada, sendo realizada 30 anos após o lançamento da Carta de Ottawa e da 8ª Conferência Nacional de Saúde, e 10 anos após a aprovação da Política Nacional de Promoção da Saúde pelo Ministério da Saúde.

“São marcos que mostram que não podemos retroceder 30 anos em sete dias. A frase de que o SUS não cabe no PIB deve ser repudiada. Quem deve ser afetado não são as classes trabalhadoras. A constituição de uma rede de proteção não pode ser visto como um entrave”, ressaltou Akerman.

“Reunimos aqui delegações de mais de 60 países, que trouxeram mais de 900 trabalhos científicos, entre apresentações orais e pôsteres. Estamos juntos na luta pela Promoção da Saúde, pois todos somos afetados pela iniquidades”, comentou Louise.

Professor de Política Econômica e Sociologia da Universidade de Oxford e pesquisador associado da London School of Hygiene and Tropical Medicine, David Stuckler proferiu a Conferência de Abertura. Com o título Promovendo Saúde e Equidade, Stuckler iniciou sua apresentação destacando que uma boa saúde começa nas comunidades. Para ele, os grandes países erram em destacar a austeridade como panaceia universal, o que configura uma grande ironia, pois, nos últimos dez anos, onde houve déficit fiscal, foi ampliado os investimentos em seguridade. “Isto prova que, apesar de ser um discurso global, a aplicação da austeridade não significa a mesma coisa para as diferentes comunidades e para os diferentes países”.

Para corroborar sua análise, Stuckler mostrou a relação direta nas sociedades que investiram em sistemas de saúde e as que adotaram a austeridade na crise de 2008, e tomou como exemplo o caso da Grécia, que realizou cortes de 40% no orçamento. Um corte de cutelo, como assumido pelo ministro das finanças daquele país. As consequências foram imediatas: aumento dos casos de HIV, retorno de epidemias já sanadas, como a malária, e crescimento do índice de suicídios em cerca de 60%.

O contraponto foram as decisões da Islândia, outro país afetado pela crise e que tomou caminho oposto. “Um referendo ouviu a população, que perguntou se eles queriam os cortes sociais. Ao contrário, o povo decidiu pela ampliação dos investimentos em seguridade e corte nos benefícios às empresas, como restrições às cadeias de fast food e políticas de promoção à alimentação saudável.

O caso dos países da antiga União Soviética foi o último exemplo apresentado pelo professor. Ao comparar as ações adotadas na proteção social pela Rússia e Bielorrússia, Stuckler ressaltou que o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) admitiu excesso no receituário de cortes, admitindo que trouxeram impactos positivos a ampliação dos investimentos no momento de crise. “Se eu pudesse fazer uma recomendação ao Brasil para esse período de turbulências eu faria três: mantenham-se calmos; ajudem o povo à retornar políticas de emprego; invistam em saúde pública”.

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