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Um dia cheio de debates reuniu mais de 100 profissionais de alimentação, pesquisadores e estudantes no auditório João Yunes, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Organizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o seminário internacional Alimentação na prevenção de doenças crônicas contou com a presença de integrantes do Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva (GTANSC/Abrasco), funcionários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pesquisadores mexicanos para discutir o atual cenário da regulação de alimentos e seus efeitos na saúde das populações.

Ao todo foram três painéis. Na abertura, Elici Bueno, coordenadora executiva do Idec, agradeceu a presença de todos e destacou a importância da discussão sobre os direitos do consumidor na arena da alimentação, que vem ganhando maior profundidade e consciência.  Na sequência, Ana Paula Bortoletto, pesquisadora de alimentos do Instituto apresentou os motivos que fizeram o Idec organizar o evento: “Com a forte mudança do perfil da saúde da população brasileira, temos como necessidade imediata reverter o crescimento das doenças crônicas não—transmissíveis, o que só acontecerá por meio de ações intersetoriais e com a ampliação da participação da sociedade civil na formulação e monitoramento das políticas públicas”, explicou, colocando o Idec como defensor da proposta do semáforo nutricional para os rótulos dos alimentos.

Luizete Morais, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome; Elisabetta Recine, integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e do GT ANSC/Abrasco; Carlos Monteiro, professor titular da FSP/USP e Ana Carolina Feldenheimer, responsável da área de Alimentação e Nutrição da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS/OMS) compuseram a primeira mesa: Panorama atual e políticas públicas relacionadas à alimentação e nutrição para o enfrentamento das doenças crônicas no Brasil.

Ações intersetoriais: Enquanto Luizete apresentou o mapa de ações governamentais e intersetoriais sobre o tema, conformado pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e gerenciado, pelo governo federal, pela Câmara intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), Elisabetta esmiuçou o funcionamento do Consea, que organiza a sociedade civil dentro desse debate.

Elisabetta destacou que o termo segurança alimentar e nutricional é um conceito novo e de forte coloração nacional, o que dificulta um pouco seu entendimento e sua compreensão por parte de pesquisadores e articuladores estrangeiros da área da nutrição. “No entanto, não nos cabe querer menos do que tudo, essa dose de utopia faz parte desse movimento de luta e passa pelo Consea propor caminhos que o direito à alimentação adequada e saudável seja uma realidade”, disse a conselheira, adiantando que “comida de verdade” será o tema da V Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (V CNSAN) a ser realizado em novembro de 2015.

Um dos organizadores do Guia Alimentar da População Brasileira, Carlos Monteiro apresentou os conceitos que guiaram a publicação do Ministério da Saúde, recentemente lançada em Brasília. “Não consumimos alimentos isoladamente, mas sim de forma combinada. Logo, podemos entender as refeições como mesclas de controles biológicos e sociais, verdadeiros capitais acumulados ao longo da história humana de imenso valor e que não podem ser jogados fora”, disse o pesquisador ao valorizar o conceito de comida e refeição, ao invés dos nutrientes. Já Ana Carolina Feldenheimer destacou que, no mundo, as mortes decorrentes da obesidade dobraram, atingindo mais de 1,4 bilhão de pessoas por ano, causando mais perdas de vidas do que os problemas relacionados ao baixo peso, e discorreu sobre as ações integradas no continente americano organizadas pela OPAS.

Regular ou não – uma questão?: Com o tema Regulação de alimentos como estratégia para a prevenção e redução das doenças crônicas: autorregulação ou regulação obrigatória? os palestrantes Rodrigo Martins de Vargas, da Anvisa; Eduardo Fernandes Nilson, da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição, do Ministério da Saúde (CGAN/DAB/SAS/MS); Lizbeth Tolentino, do Centro de Investigacíon em Nutricíon Y Salud do Instituto Nacional de Salud Publica, do México, e Ana Paula Bortoletto, do Idec, debateram como os mecanismos de regulação podem colaborar na prevenção das doenças.

Rodrigo foi taxativo ao afirmar que o que se regula e como se regula é definido dentro dos contextos históricos e políticos de cada época, e defendeu que a visão geral sobre o papel da regulação deve ser maior do que a imposição de interesses burocráticos do Estado. “Estamos falando, principalmente, da correção de falhas das práticas de mercado e das garantias do bem-estar social da população”, ao apresentar quadro sobre o cenário das regulações em diversos países do mundo.

Já Eduardo Nilson destacou o papel que a sociedade civil tem em pautar esse tema para o próprio Ministério da Saúde e acredita que a regulação via acordos voluntários tem efeito indutor nas políticas públicas, citando o acordo entre o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA).

No entanto, Ana Paula Bortoletto, que conduziu pesquisa sobre o tema para o Idec, afirmou, com confirmação de Eduardo, que os níveis acordados entre governo e indústria eram superiores aos já praticados, o que mostra certa ineficiência na prática dos acordos voluntários como hoje postos. “Temos a necessidade de tornar menos difusa as ações de regulação e monitoramento no governo federal no sentido de fazer as empresas se sentirem minimamente pressionadas para cumprir os acordos”.

O último painel abordou as perspectivas de ações sobre a regulação e os papéis que governo, academia e sociedade civil devem desempenhar. Participaram Marília Monteiro, pela Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça (SENACON/MJ); Inês Rugani, diretora do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e vice-coordenadora do GT ANSC/Abrasco; Marisa Macari, da associação mexicana El Poder del Consumidor; e Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.

Ação crítica e ética: Inês explicitou que as relações conflituosas entre interesses públicos e privados são interessadamente naturalizadas pelo mercado, e que é papel da sociedade civil e dos interessados no tema exporem as contradições existentes. “O que vemos na maioria das vezes é uma ação quase incipiente dos governantes e uma sistemática resistência das empresas em debater esses fatos”, destacou a pesquisadora, que também compõe a Frente pela Regulação da relação Público-Privado em Alimentação e Nutrição.

Ela ressaltou o papel da ética que pesquisadores devem ter ao ser assediados por empresas e indústrias interessadas em chancelas a seus produtos, em apresentar resultados enviesados de pesquisas patrocinadas e em fazer verdadeiras “feiras de negócios travestidas de espaços acadêmicos de trocas de ideias”, citando associações internacionais que infelizmente usam esse expediente. Ao final, Inês também destacou o papel de acadêmicos e associações científicas em apontar que “regulação não é ditadura, mas sim uma ação de proteção do Estado para com a sociedade”.

Marisa Macari encerrou a mesa complementando a apresentação de Lisbeth Tolentino ao trazer o cenário da luta da sociedade mexicana contra refrescos, refrigerantes e demais bebidas açucaradas. Atualmente, o México ocupa o topo da faixa do consumo desses produtos e possui altos índices de diabetes entre sua população, com quase meio milhão de mortes ao ano por conta da doença. Após uma intensa luta política, os movimentos sociais juntos conseguiram fazer valer a proposta de tributação das bebidas, conseguindo redução de consumo em cerca de 10% e aumento em 13% do consumo de água envasada.

Ao final, Carlos Tadheu abordou todas as possibilidades que o Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas frisou o quão difíceis são algumas de suas aplicações: “Nunca vi ninguém ser preso por propaganda enganosa”, e destacou que no atual cenário, mesmo com tantas estruturas, o governo muitas vezes peca pela omissão frente às empresas. “Essas tarefas de fiscalização e de produção de pesquisas de monitoramento têm recaído nos ombros da sociedade civil e isso tem de mudar”, argumentou.

 

 

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