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 POSICIONAMENTO ABRASCO 

Em nota pública, Abrasco convoca ações frente à emergência climática

Comunicação Abrasco

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) vem a público expressar sua extrema preocupação com a intensificação dos eventos climáticos extremos, os quais são produzidos por forças motrizes econômicas insustentáveis e provocam ações deletérias à natureza e à sociedade, tanto no território nacional quanto no planeta. Estamos vivendo uma emergência climática sem precedentes, que ameaça reverter décadas de ganhos em saúde, causando sofrimento humano generalizado, aprofundando as desigualdades sociais e de saúde e colocando em risco os sistemas ambientais e econômicos dos quais dependemos para nossa sobrevivência e bem-estar.

As enchentes ocorridas nos primeiros meses de 2024 causaram uma profunda ruptura no metabolismo social dos territórios e municípios de quase todo o Estado do Rio Grande do Sul. Este evento, de proporções jamais vistas, foi associado a dois fatores: primeiro, as significativas alterações no ciclo e no comportamento do regime de ventos e temperatura da estratosfera, atribuídas às mudanças climáticas e ao fenômeno El Niño; segundo, à fragilização e flexibilização das políticas públicas ambientais do Estado, que potencializaram os impactos do clima adverso.

O país recebeu com aflição as previsões dos órgãos climáticos sobre o risco, agora realidade, da seca que atinge vastos territórios das regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul, ampliando a insegurança hídrica no país.

A este cenário se sobrepõe um espectro de incêndios florestais jamais registrados em nossa história: até a data de 14 de setembro, foram 180.137 novos focos registrados desde o mês de janeiro no Brasil, correspondendo a 50,6% dos incêndios registrados na América do Sul. De acordo com a Agência Brasil, nos últimos dois dias, o Brasil concentrou 71,9% de todas as queimadas registradas na América do Sul. O sistema BDQueimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), registrou 7.322 focos de incêndio nas últimas 48 horas até a sexta-feira (13).

Até o mês de agosto, os incêndios florestais de 2024 em nosso país afetaram um território de 11.396.079 hectares. Com 5,65 milhões de hectares queimados, os índices de agosto corresponde a quase metade (49%) da área queimada deste ano. É o que mostra o levantamento do Monitor do Fogo, do MapBiomas, lançado em 12 de setembro.

A poluição do ar resultante dessas queimadas tem alcançado níveis alarmantes, que, junto à baixa umidade, tornaram o ar nos campos e em inúmeras cidades insalubre. A velocidade, intensidade e extensão dos incêndios florestais que estão em curso no país somente podem ser explicadas em função de interesses econômicos e ações humanas. A associação da seca às altas temperaturas, ao desmatamento e às práticas de queimadas, inclusive as intencionais e criminosas, criam condições propícias para os incêndios.

Os últimos dias mostram um cenário ainda mais preocupante de queimadas em diversas regiões e biomas, agravado por condições climáticas extremas, como secas prolongadas e elevação das temperaturas. Uma combinação devastadora para a saúde humana.

A Confederação Nacional dos Municípios, com base nos 531 municípios que decretaram emergência por causa dos incêndios até o mês de agosto, revela que pelo menos 10 milhões de pessoas estão diretamente afetadas. Especialistas em saúde pública estão dedicados a estimar a dimensão da carga atribuível dos efeitos dos incêndios na saúde da população.

Entre os mais intensamente impactados pelos incêndios em curso estão os povos e comunidades originários e tradicionais, exatamente aqueles que, com base em seu saber ancestral de convívio harmônico com a natureza, nos alertam sobre a iminência do fim do céu azul e o limite da capacidade da Terra de responder à tamanha agressão (Krenak).

Eventos climáticos extremos, que além de secas e inundações incluem também ondas de calor, em nosso país estão invariavelmente associados ao uso predatório dos territórios dos campos, florestas, águas e cidades dentro de um modelo de desenvolvimento insustentável que produz profundas vulnerabilidades, desigualdades e iniquidades sociais, ambientais e de saúde. Tais fenômenos têm se tornado cada vez mais frequentes e intensos desde os anos 2000, e tudo indica que haverá um agravamento dessa situação, com sérios impactos na saúde da população brasileira.

Os efeitos do modelo neoextrativista do agro-minero-hidro-fóssil-negócio não podem continuar: seu metabolismo social insustentável é marcado por processos hidrointensivos, de contaminação ambiental e de profundas alterações no uso e ocupação do solo, que impedem as medidas de redução da emissão dos gases de efeito estufa.

Assim, é imperativo e urgente que governos municipais e estaduais unam esforços ao nível federal no combate às queimadas e ao desmatamento ilegal, priorizando o fortalecimento das ações de monitoramento, controle e fiscalização dos órgãos de controle ambiental.

É necessário avaliar o cumprimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) acordadas em 2015, em Paris, que estabelecem metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. É crucial que formuladores de políticas locais, regionais e nacionais desenvolvam ações de médio e longo prazo para uma transição energética em direção a fontes mais limpas, seguras, renováveis e justas, promovendo sistemas agrícolas e alimentares mais saudáveis e sustentáveis associados às ações de regeneração ecológica, agroecologia e agroflorestas. Devemos ainda trabalhar para que nosso Sistema Único de Saúde seja resiliente diante da atual emergência climática.

É imperativo que a Saúde Coletiva avance enquanto espaço teórico e de ação sobre a determinação socioambiental da saúde, fundamentada na Constituição Federal e no SUS. Além da necessidade de se ampliar a produção de conhecimentos em disciplinas e campos relacionados às ciências ambientais e correlatas, propiciando, assim, sua atualização frente à complexidade da realidade contemporânea, faz-se necessária a organização e respostas urgentes do SUS nas ações de vigilância e cuidados em um cenário em que uma das faces da emergência climática é também uma emergência em saúde pública.

As articulações entre as ciências da natureza e as ciências sociais e humanas são imperativas e indissociáveis para que a Saúde Coletiva compreenda e enfrente adequadamente a profunda crise socioecológica, atualizando a economia política em direção a uma ecologia política que contribua na construção de alternativas ao enfrentamento da crise climática. Tal perspectiva deve considerar os fluxos de materiais e energia dos processos de produção, distribuição, circulação, consumo e descarte de mercadorias, que atualmente trazem grandes obstáculos para a necessária e improrrogável reorientação dos modelos de desenvolvimento insustentáveis, garantindo a preservação dos bens comuns e integrando-os ao bem-estar e bem viver das populações.

Ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, coordenadas e urgentes, oferecem um caminho importante para o alcance da Agenda 2030 do desenvolvimento sustentável, visando proteger a saúde desta e das futuras gerações.

A Abrasco se soma às demais vozes das entidades científicas e aos movimentos sociais mobilizados para apoiar as medidas necessárias e protetoras da saúde e do ambiente, considerando a delicada teia ecológica que sustenta a vida. Os eventos extremos decorrentes da emergência climática chegaram para ficar. Portanto, é tempo de todos agirmos em prol da vida no planeta, na devida urgência que o tema requer.

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