Em carta-aberta divulgada nesta segunda-feira, 24 de agosto, entidades de saúde brasileiras exigem que o Ministério da Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estabeleça a imediata proibição de gorduras trans nos alimentos em território nacional — à semelhança do que já acontece na Europa e nos EUA.
O documento é assinado pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), entre outras entidades.
As gorduras insaturadas trans, conhecidas como gorduras trans são associadas a um risco elevado de morte por doença cardiovascular, obesidade e hipertensão com colesterol elevado. Elas são encontradas especificamente em produtos processados, nos óleos hidrogenados que os mantêm conservados.
No documento, as entidades questionam o fato do Guia Alimentar para População Brasileira (GAPB), lançado em 2006, restringir o consumo de gordura trans a 1% do valor energético diário, o que corresponde a aproximadamente 2 g/dia em uma dieta de 2 mil calorias, baseando-se em uma sugestão publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de 1995.
Contudo, as orientações do Guia Alimentar foram atualizadas após uma profunda revisão concluída no ano passado. Entre outras modificações, a publicação passou a adotar uma nova classificação dos alimentos. Ela está baseada no grau de processamento dos alimentos e vinculada à promoção de uma alimentação adequada e saudável, deixando para trás a tradicional abordagem da distribuição de nutrientes pelas refeições. Ao valorizar o respeito à cultura e à comida, na sua redação, o Guia é claro na recomendação de consumo preferencial de alimentos in natura para proteção contra as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como a obesidade, o diabetes e a hipertensão.
Em 2004, a própria OMS reviu a sua sugestão e lançou a Estratégia Global para Promoção da Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde com a meta de eliminação do consumo de gordura trans industrial. “A participação de alimentos industrializados contendo gordura trans na dieta contemporânea é traço marcante do padrão alimentar atual da população. Seu consumo causa impacto na saúde, tanto no desenvolvimento de doenças crônicas quanto no estado nutricional”, afirma o documento.
“Neste sentido, a SBD junto com a SBEM e Abeso, vem a público neste momento de mudança em relação aos hábitos de vida, solicitar a RETIRADA COMPLETA em tempo hábil, de todo alimento que contenha GORDURA TRANS”.
Indústria omite informações
Um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec, em setembro de 2014, analisou 40 biscoitos doces e 10 salgados para verificar como é feita a comunicação sobre a presença da gordura trans nos rótulos dos produtos. Os resultados evidenciaram a falta de informações claras e até dados conflitantes na embalagem de um mesmo alimento, o que dificulta a escolha do consumidor na hora da compra.
Para o site da Abrasco, a nutricionista e pesquisadora do Idec, Ana Paula Bortoletto comentou o documento enviado ao governo – “Parabenizo a iniciativa da Sociedade Brasileira de Diabetes, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e da Abeso em pressionar o governo brasileiro a tomar medidas mais severas em relação ao uso da gordura trans. É o pior tipo de gordura para a saúde e ainda o consumidor tem dificuldade de identificar a sua presença nos alimentos. O Idec já denunciou os problemas nos rótulos e também se posiciona a favor da retirada completa dessa substância do Brasil. Essa gordura é produzida artificialmente, mas já existem substitutos tecnológicos para o seu uso. Ainda assim, a gordura trans continua sendo utilizada em muitos produtos ultraprocessados”, avalia Ana Paula.
Anvisa: regras para gorduras trans podem ser revistas
Em resposta ao documento, a Anvisa informou que apenas monitora a rotulagem nutricional de alimentos, e que a política de redução de consumo é do Ministério da Saúde. A agência afirma ainda que os valores adotados pela legislação nacional para gordura trans estão entre o mais restritivos em nível internacional, mas que os valores devem ser revistos:
“Após quase dez anos de regulamentação da rotulagem nutricional no país, a Anvisa entende que existem condições para atualizar as regras existentes para declaração de gorduras trans, o que deve ser discutido no âmbito do Grupo de Trabalho (GT) sobre Rotulagem Nutricional”, afirma a agência.
A Anvisa instituiu, por meio da Portaria nº 949/2014, o GT com o objetivo de auxiliar na elaboração de propostas regulatórias relacionadas à rotulagem nutricional de alimentos. Entre os objetivos do Grupo estão: subsidiar a Anvisa em assuntos técnicos e ou científicos relacionados à rotulagem nutricional, auxiliar na identificação dos principais problemas e limitações do modelo regulatório atual sobre rotulagem nutricional e propor alternativas para solucionar os problemas e limitações identificadas.
“O GT certamente vai rever a questão da rotulagem de gorduras trans”, afirmou a Anvisa em sua resposta.
O que é a gordura trans?
Apesar de presente em quantidades mínimas em alimentos naturais como carne e leite, a gordura trans é consumida em sua ampla maioria nos produtos processados – como bolachas recheadas, sorvete, confeitarias. Ela é gerada a partir de um óleo vegetal líquido, que, após passar pelo processo tecnológico chamado hidrogenação, ganha consistência, tornando-se uma gordura sólida. Um “efeito colateral” desse processo é a geração de ácidos graxos trans, a gordura trans. “Sua presença nos alimentos tem o objetivo de melhorar a textura, como em recheios de bolos, bolachas e bombons, a ‘espalhabilidade’ de maioneses e margarinas e a crocância de biscoitos e frituras. Além disso, esses alimentos têm maior prazo de validade”, explica a engenheira de alimentos Juliana Ract.
No entanto, a porção indicada pelo fabricante nem sempre corresponde ao que normalmente é consumido pelas pessoas, e quem comer mais de uma porção estará, sim, ingerindo a gordura venenosa.
O que você pode fazer? Optar por uma alimentação mais saudável, principalmente preferindo produtos naturais aos ultraprocessados, também é uma maneira eficaz de reduzir a ingestão de gordura trans.