
A atividade de memória do Museu Nacional estava representada no seu acervo em diversas formas: documentos de arquivo, material científico (exemplares representativos da biodiversidade de nosso país, fósseis, objetos etnográficos e arqueológicos), trabalhos acadêmicos (livros, artigos de periódicos e jornais entre outros), e era através desse manancial de fontes que a instituição garantia sua continuidade histórica, parte da memória nacional.
Os documentos de um arquivo representam o produto da atividade de uma instituição ou de uma pessoa e é através deles que a humanidade garante a sua continuidade histórica. Mas tudo isso mudou na noite de domingo, 2 de setembro.
Sobre a perda irreparável dos documentos que registravam os primórdios do trabalho científico no Brasil e as alterações que a nossa ciência processou no cenário internacional, a Abrasco conversou com Maria José Veloso da Costa Santos, Bibliotecária Documentalista do Museu Nacional e professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro: – “Comecei a trabalhar no Museu Nacional em 1975, foi meu primeiro emprego. Trabalhava na Biblioteca que funcionava no terceiro pavimento e em 1994 iniciei minha gestão na preservação da memória do Museu. Eu e outros colegas fundamos uma seção a que chamamos Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional – SEMEAR e nosso lema virou semear informação para colher conhecimento – lá estava toda a história da ciência brasileira” diz Maria José.
A pesquisadora enumerou ainda parte da riqueza do acervo que ardeu na noite do domingo: muitas cadernetas de anotações dos naturalistas que fizeram viagens pelo interior do Brasil; os cadernos de anotações da Imperatriz Leopoldina, uma mulher apaixonada por botânica e mineralogia, os documentos de José Bonifácio de Andrada e Silva – o nosso primeiro geólogo. Além dos arquivos fotográficos, desenhos e pinturas. Esta seção ficava no terceiro andar, com dezenas de estantes deslizantes cheias de documentos científicos históricos, estudantes faziam ali suas pesquisas para inúmeras teses de mestrado e doutorado sobre a ciência no Brasil – inclusive a tese de doutorado de Maria José nasceu dali ‘Adolpho Lutz e a Medicina Tropical no Brasil: análise bibliométrica de cartas como gênero do discurso científico’.
“Eu e todos os meus colegas estamos atónitos… Uma colega foi de madrugada lá e eu perguntei hoje de manhã ‘e as estantes deslizantes? E a documentação? Só ficaram as paredes, Mazé’ me respondeu. Atualmente a seção é coordenada pela Maria das Graças Freitas Souza Filho que junto comigo elaborava um projeto para digitalizar todo o acervo, estávamos avaliando quantos terabytes utilizaríamos: nada poderá ser preservado. Tudo queimou. É com grande pesar que eu falo pra você: a minha vida profissional queimou, a documentação queimou, queimaram inclusive nossos pedidos de socorro” registra Maria José que aguarda em casa a liberação do Corpo de Bombeiros para ver o que sobrou da sala onde ela trabalhava mas a Defesa Civil interditou prédio do Museu Nacional por tempo indeterminado e a Polícia Federal assumiu a investigação sobre o incêndio.
A interpretação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES sobre a lei eleitoral impediu a liberação dos recursos que foram autorizados em junho para o Museu. O contrato, assinado durante as comemorações de 200 anos da instituição, previa a destinação de R$ 21,7 milhões para a terceira fase do plano de investimento de revitalização do museu. O diretor do Museu Nacional Alexander Kellner foi recebido ontem pelo Ministério da Educação que afinal liberou R$ 10 milhões. O último presidente a visitar o Museu Nacional foi Juscelino Kubitschek, em 1958.