“Menina não, deputada eleita!” as palavras de Talíria Petrone ecoaram pela Câmara dos Deputados em Brasília, nessa primeira semana de abril, durante Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Não é a primeira vez que a deputada federal pelo PSOL/RJ posiciona-se firmemente sobre o cargo que ocupa. Em fevereiro, através de suas redes sociais, denunciou que era frequentemente interditada nos espaços restritos aos parlamentares: “Eu uso broche e vou às sessões, como todo parlamentar. É difícil para eles entenderem, mas nós, mulheres pretas, somos tão deputadas quanto os outros”. Além de Talíria, outros casos de racismo institucional foram relatados por parlamentares – Dani Monteiro (PSOL),. deputada estadual do Rio de Janeiro, manifestou-se na Alerj perante aos colegas, pedindo à Casa formação para os funcionários, já que também era “sistematicamente barrada”.
Sobre o racismo institucional o GT Racismo e Saúde da Abrasco posicionou-se e considera estes episódios retratos da histórica interdição em espaços de poder para pessoas negras:
“O racismo é um fenômeno sistêmico, estruturante e multidimensional. Ideologicamente, opera como substrato que exclui, marginaliza e atribui a negras e negros a subalternidade, fazendo com que episódios dessa natureza ocorram, se reproduzam e se naturalizem. […] Conquistar mobilidade social para si e para as gerações futuras tem representado um abalo na estrutura racista/sexista/patriarcal no mundo e no Brasil, em particular. Os movimentos de mulheres negras têm se destacado na vanguarda de incontáveis lutas com vistas à desconstrução do racismo e de todas as formas de manutenção do status quo de grupos privilegiados. O lugar da mulher negra no mundo e na política partidária se constitui numa nova forma de luta, de insurgência, possivelmente a mais importante delas. Essas mulheres protagonizam a construção de uma sociedade digna, na luta por igualdade e justiça. As parlamentares merecem respeito por seus direitos políticos, civis e sociais e as violências sofridas não podem ser naturalizadas e negligenciadas. Portanto, espera-se que a Assembleia Legislativa [do Rio de Janeiro] e até mesmo o Congresso Nacional, enquanto “Casas do Povo” e instituições que primam pela cidadania, reconheçam, apurem, responsabilizem, punam, rechacem práticas racistas e promovam ações de enfrentamento ao racismo nessas instituições que sirvam como modelo para as demais instituições, pois conforme está estabelecido na Constituição Brasileira, racismo é crime”, pontuam.
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Em entrevista para a Abrasco, Talíria Petrone afirmou que a sociedade racista atribui às pessoas negras os trabalhos mais precarizados, as regiões mais pobres do país, os presídios, os hospitais públicos sem atendimento adequado. Para essa lógica iníqua, o lugar de pessoas negras não é na universidade ou nos espaços onde as decisões são tomadas, como o Legislativo e o Judiciário: “Quando chegamos nos espaços políticos institucionais, o tempo todo precisamos mostrar que temos legitimidade para estar naquele lugar. Na Câmara a nossa presença incomoda e tira o sossego de quem pensa dessa forma, que o nosso lugar não é aqui”, afirma.
A deputada também afirmou que é necessário dar visibilidade ao tema, combater como racismo – e não como um equívoco qualquer: ” Temos que dar nome a essa opressão, que todos os dias deixa vítimas no meio do caminho. Somos as trabalhadoras que ganham menos no mercado de trabalho e que também estão na informalidade, somos as principais vítimas do feminicídio e os nossos jovens são os alvos das balas de fuzil da polícia, que age como se tivesse licença para matar preto e favelado. São as mães negras da periferia que sofrem com a ausência desses mesmos filhos assassinados pelo Estado. Enquanto o racismo estrutural fizer vítimas em nosso país, seguiremos denunciando e colocando pra fora essa realidade que provoca dores e sofrimento em nossa gente”.
Racismo e Saúde
Sobre possíveis medidas de seu mandato direcionadas à saúde de pessoas negras no Brasil, Petrone assinalou que já apresentou um conjunto de projetos de leis, entre os quais o que trata da humanização da assistência à mulher e ao neonato durante o ciclo gravídico-puerperal, garantindo o parto humanizado e combatendo a violência obstétrica (PL 878/2019): “Entendemos que essa é uma iniciativa voltada, não só, mas especialmente às mulheres negras, considerando que elas são as principais vítimas da violência durante e após o parto. Na justificativa do projeto, ressaltamos que a morte materna é considerada uma morte prevenível e que em 90% dos casos ela poderia ser evitada se as mulheres tivessem atendimento adequado. No entanto, o Brasil não conseguiu atingir o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio em relação à morte materna, em grande medida por força do racismo institucional que faz com que 60% das mulheres que morrem de morte materna sejam negras”.
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