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Rumos para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde marcam o debate no Seminário 20 anos

A manhã do segundo dia (19/09) do seminário 20 anos de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde no Brasil foi marcada por um qualificado debate sobre a história, a importância e as dimensões sociais e econômicas do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS). A mesa, coordenada por Jorge Bermudez, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), contou com a participação de Ana Luiza Viana, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DMP/FM/USP), de Pedro Palmeira, chefe do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de Jailson de Barros Correia, Secretário Municipal de Saúde do Recife (SMS-Recife/PE), e de Carlos Gadelha, Secretário Nacional de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS).

Antes de passar a palavra para os debatedores, Bermudez destacou que as ações e notícias relacionadas ao CEIS não param. “Ontem (18/09) foi lançado em Brasília o Programa Nacional de Verificação da Qualidade de Medicamentos (Proveme) e o Ministro Chioro destacou a inter-regulação da Anvisa com o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Foi noticiada também a aprovação pelo FDA americano [Food and Drugs Administration] de 29 novos medicamentos para câncer. O preço médio é de US$ 100 mil, com alguns chegando a US$ 300 mil, o que traz quase uma impossibilidade no acesso por parte das populações mundiais”.

Ana Luiza Viana pegou este aspecto do acesso para iniciar sua fala. “Essa autonomização da base técnica, marcada pela financeirização e pela incorporação de tecnologias é o desafio para os sistemas públicos universais de saúde: Como regular e orientar o Complexo Econômico-Industrial, que nada mais é do que a base produtiva das ações de saúde, nesse atual cenário?”

Em cerca de 20 minutos, a professora discorreu sobre 130 anos de história da produção de medicamentos no Brasil, que tem seu marco no final do século XIX e início do século XX, com a fundação do Instituto Soroterápico Municipal (1899), bases do Instituto Oswaldo Cruz (1908), no então Distrito Federal do Rio de Janeiro, e do Instituto Butantã (1901), em São Paulo.

O desenvolvimento de uma base institucional para a pesquisa científica; a criação de uma administração para a Saúde Pública marcada pela continuidade de ações e pela complementaridade entre as direções dos serviços e das instituições produtoras e a eficácia conseguida na erradicação das doenças endêmicas e epidêmicas, conforme reportou Ana Luiza, constituíram o modelo virtuoso da Era do Saneamento, garantindo a independência do país frente ao cenário internacional na época.

No entanto, novas configurações entre os anos 1920 e 1930 modificaram o quadro. “Passamos para uma política voltada para uma medicina previdenciária, de base privada e internacionalizada, com uma indústria dedicada somente à importação de equipamentos de baixa densidade tecnológica”, destacou Ana Luiza.

Num salto histórico, a professora definiu o que chama de Era SUS no cenário das CEIS, que traz a junção das bases originais da Era do Saneamento e o comprometimento com a articulação dos atores privados, por meio de instrumentos públicos voltados de indução à produção nacional. “O SUS é o grande parceiro do atual momento, pois tem prerrogativas de marcar e regular essa base privada hoje formatada pelo modelo das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo – as PDPS”, frisou.

A pesquisadora encerrou sua participação reiterando que o atual grau de inovação tecnológica dos dias atuais torna ainda mais difícil a articulação do Estado e da sociedade para a definição dos rumos industriais. Reverter o descompasso entre a evolução da assistência e a base produtiva e de inovação; superar a fragmentação das políticas do setor, e compatibilizar os interesses dos arranjos produtivos são algumas das respostas que a pesquisadora vê como possíveis para a preservação e ampliação do atual modelo, garantindo a cobertura universal e a presença em todo o território nacional.

Por dentro da indústria: A dinâmica setorial dos setores farmoquímico e farmacêutico, tanto da indústria pública quando privada, foi apresentada por Pedro Palmeira, do BNDES. Engenheiro químico com doutorado em economia, ele mostrou a evolução da produção de medicamentos, passando de 1,5 bilhões de unidades em 2003 para quase 3 bilhões em 2013, alçando o país para o 6º colocado na produção mundial de medicamentos. Nesse período, a participação dos medicamentos genéricos saltou de 9% para 27%, e com uma expectativa de crescimento em 13% para os próximos antes, uma das maiores entre os setores industriais, perdendo somente para o segmento de eletrônicos.  A definição do setor químico farmoquímico e farmacêutico como estratégicos pelo governo, além da transição demográfica e epidemiológica, que mudou o cenário de demanda e teve condições de escoamento, com a mobilidade social, são fatores que permitiram essa escalada.

No entanto, para Palmeira, o quadro deve levar a um otimismo realista, frente aos desafios à frente. A participação das indústrias nacionais, ainda que tenha crescido de 5% para quase 60% na participação de mercado, precisa continuar avançando. “É na empresa nacional que se dá o processo de acumulações de competências, e só assim o país poderá aspirar a ser um player relevante no cenário internacional”, destacou.

Parte desse resultado deve-se também aos investimentos públicos, de até R$ 150 milhões até 2011 e que chegará ao marco de R$ 1,240 bilhão no período de 2012 a 2014, boa parte vindo do programa BNDES Profarma, que a partir de 2013 passou a ter um ramo destinado às empresas voltadas para pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia. Os próximos passos, segundo o diretor do BNDES, devem somar esforços em pesquisas clínicas e ganhos terapêuticos. “não existe outra solução do que não tornar uma indústria inovadora, com maior esforço na inovação incremental, na biotecnologia, via biossimilares e inserção internacional, com participação em mercados onde a tecnologia esteja presente.”

Do lado das gestões: Jailson de Barros Correia, secretário municipal de saúde do Recife contribuiu com o debate com a visão dos gestores. Apesar de os municípios serem informados das ações da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, os problemas básicos ainda são os que mais demandam interesse. “Somos procurados pelos secretários do interior do estado para entender como município funciona e apresentamos nossos programas estratégicos, seguidores da política nacional adequados à realidade local, e invariavelmente eles entram na questão da compra dos medicamentos e no funcionamento das unidades de saúde”.

Segundo o secretário, os desafios da Ciência e Tecnologia em Saúde não pode andar em descompasso com a gestão básica dos recursos. A cultura da tomada de decisões a partir das evidências é um dos avanços apontados por Correia. Já programas como o telessaúde tem adesão abaixo do esperado, mesmo que a tecnologia faça parte do cotidiano de médicos, enfermeiros, gestores de unidades e socorristas. “Temos um grande uso de um grupo no watzapp, com trocas de informação em procedimentos clínicos, administrativos e avaliações de exame”.

Jailson Correia afirmou que é fundamental pensar as mudanças no padrão demográfico, como o envelhecimento populacional, os novos padrões de vida e de consumo, e os impactos das mudanças ambientais para desenvolver a matriz de funcionamento do setor saúde para os próximos 20 anos, cruzando esses aspectos com as áreas de atenção, gestão, educação, insumos e serviços tecnológicos. “Um bom exemplo é a explosão das motocicletas, um impacto não previsto e que é profundo na alocação dos recursos e organização do cuidado”, ressaltou o secretário, que destacou que o maior hospital geral do Recife transformou-se num hospital de trauma, recebendo acidentados de motos de todo o estado. “É necessário desenvolver pesquisas voltadas para a tradução do conhecimento, que aqui no Brasil devem ter como eixo o acesso universal ao SUS”.

O Secretário nacional Carlos Gadelha encerrou o painel apresentando a evolução da SCTIE, que passou de R$250 milhões de recursos em 2006 para R$ 595 milhões em 2013, algo a ser celebrado. “Precisamos ter clareza na discussão nacional se a política de tecnologia é prioridade ou não, e para aprofundar o embate político, não podemos ter estratégia de nicho”, disse ele, criticando certa visão de posicionamento nacional que alguns empresários e políticos comungam. “Isso é possível em países como a Bélgica, a Suíça, não em um país de 200 milhões de pessoas. Se me disserem que vamos fazer biotecnologia e faltar penicilina estou fora”.

Na visão de Gadelha, as discussões sobre os rumos da CEIS devem refletir o debate da base produtiva de todo o país. “Se não discuto o padrão de transporte vou enxugar gelo e não vou ajudar a sociedade”.

Para o desenvolvimento do setor, o secretário destacou a aliança feita como o Ministério de Ciência e Tecnologia no aumento dos investimentos em pesquisa, com a institucionalização por meio de decreto das oito redes de pesquisa atuais, e as mudanças na lei de compras.

Sobre as Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, apresentou números do crescimento, passando de 11 PDPs em 2009 para as atuais 104 parcerias, estabelecidas com 19 laboratórios públicos e 57 privados, totalizando 101 produtos, sendo 66 medicamentos, 28 equipamentos médicos e kits diagnósticos e sete vacinas. Desses, 31 produtos já foram registrados na Anvisa e 19 produtos são adquiridos pelo SUS. “Estamos ferindo muitos interesses. Alguém esperava que isso ia ser tranquilo?”, ressaltou Gadelha, dando os números do poder de compra do SUS, que saltou de R$ 1 bilhão no início dos anos 2000 para os atuais R$ 5 bilhões. A estimativa para os próximos dois anos é chegar em R$ 10 bilhões. “Acreditamos que um jogo positivo na competitividade é possível, garantindo rentabilidade para a indústria e o acesso universal. O que a gente fez foi muito, mas ao mesmo tempo, é muito pouco”, completou Gadelha, destacando que reconhecer os 20  anos da política de C&T na saúde dá condições para lutar pelos próximos 20 anos. “O momento mais crítico passou, pois ela virou uma verdade que está sendo sentida por cada cidadão brasileiro”.

 

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