No sistema educacional brasileiro, a data de 19 de abril historicamente é marcada por atividades de pintura e de vestimenta das crianças como uma lembrança e homenagem ao Dia do Índio. Em que pese as críticas à pouca contextualização comum nessas atividades, o fato é que até mesmo esta referência vem sofrendo franca redução, o que pode ser lido como símbolo da negação e da ausência desse debate em nossa sociedade.
Para não cair no esquecimento, a Abrasco perguntou a alguns de seus diretores e associados a importância dessa data. Para Carlos Coimbra, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz) e coordenador do Grupo Temático Saúde Indígena (GTSI/Abrasco), o ano de 2016 amplia esse contexto entristecedor. “A data deveria chamar a atenção de brasileiros não-indígenas pela dívida histórica e pelas falhas que temos como nação para com esses povos. Estamos vivendo um momento de recrudescimento da violência para com o indígena, expressões de ódio racial absurdas são facilmente encontradas em pequenos jornais locais e nas redes sociais”.
Uma rápida busca nas notícias reforça a avaliação de Coimbra. Já na primeira semana de 2016, Vitor Pinto, uma criança indígena de 2 anos, foi degolado com uma lâmina por um homem que fingiu afagar seu rosto enquanto sua mãe o amamentava na rodoviária de Imbituba (SC). A cena chocante foi desenhada por Danielle Barros, mestra em Comunicação e Saúde pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz) e militante da causa indígena, escolhida para ilustrar esta matéria.
Em fevereiro, houve denúncia sobre a situação de caos da saúde indígena das comunidades localizadas às margens do Rio Negro, no estado do Amazonas. A denúncia foi assinada com título “O calvário indígena no rio Negro”.
Já no mês de março foi divulgado um pedido de socorro para a saúde, educação e infraestrutura dos indígenas Guajajara, da Aldeia Guajanaíra, em Itupiranga, no Pará. As demandas da comunidade dizem respeito aos atendimentos de órgãos como a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e Secretaria de Estado de Educação. “Há três anos estamos sem abastecimento de água, devido o motor da cisterna que abastece a aldeia estar com defeito. Apresentamos o problema à Sesai que apenas encaminhou o motor para Belém”, explicou um dos indígenas à imprensa local.
E neste mês de abril, Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau Tupinambá, e o irmão, José Aelson Jesus da Silva, o Teity Tupinambá, foram presos pela Polícia Militar da Bahia e encaminhados para a sede da Polícia Federal, em Ilhéus. Ambos tinham passado em janeiro deste ano pela aldeia Gravatá, Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no extremo sul baiano, onde junto com indígenas Tupinambá denunciaram o crime ambiental da retirada ilegal de areia. A comunidade inteira sofreu retaliações, fato foi denunciado pelas Universidades Federais da Bahia e do Sul da Bahia (UFBA e UFSB) e repercutido pela Abrasco à comunidade da Saúde Coletiva. Conforme o cacique afirmou em sua defesa, ele e o irmão foram à aldeia Gravatá para averiguar a quebra de um acordo por parte do Comando da Polícia Militar da Bahia de suspensão da execução da reintegração de posse ocorrida.
Para Gastão Wagner de Souza Campos, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas e presidente da Abrasco, a máxima “todo o dia é dia de índio”, imortalizada em música por Baby do Brasil, deveria ser uma realidade. No entanto, o Estado brasileiro faz justamente ao contrário, proporcionando políticas públicas muito inadequadas e ruins, sendo a área da saúde uma delas.
Já para Raquel Rigotto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e Conselheira da Abrasco, as nações estão sendo vítimas há mais de 500 anos de uma enorme espoliação e de muita violência. “Mas, neste dia, temos de lembrar que eles têm uma sabedoria e um conhecimento que são fundamentais para nós enquanto humanidade diante dessa crise planetária e civilizatória”. Fica aqui registrada a lembrança, o sentimento de gratidão, a vergonha e vontade de unir forças às comunidades dos povos naturais da terra por celebrações à altura da importância do indígena à construção do Brasil.
Confira abaixo os depoimentos dos abrasquianos: