Morreu hoje a professora Regina Marsiglia. Ela foi fundadora da Saúde Coletiva e da Abrasco. Contribuiu de maneira importante para consolidar a relação entre Saúde Pública e o campo das Ciências Sociais e Humanas. Foi uma das pioneiras em ressaltar a importância das abordagens de gênero, raciais e da diversidade na compreensão de eventos sociais e políticas.
Professora Regina impressionava por seu humanismo e espírito democrático radicais. Teve especial sensibilidade para relacionar teoria e práticas, para articular investigação e ensino com o cotidiano dos serviços de saúde.
Para mim e para dezenas de seus ex-alunos, a professora Regina foi, sobretudo, uma grande professora. Com ela aprendemos para além do cognitivo, sua principal estratégia pedagógica sempre foi a coerência de sua postura. Aprendíamos somente ao observá-la ensinando. Além de sua cultura, ficamos marcados por sua maneira respeitosa de duvidar e de criticar. Seu rosto passava, frequentemente, da expressão grave e de concentração ao perceber algum problema para uma explosão de alegria. Ela era capaz de gargalhar de maneira contagiosa. Ela nos ajudava a colocar limites em nossa soberba e autossuficiência de maneira delicada e serena.
Em meu período de formação fui aluno da professora Regina. Ela nos observava com um cuidado que sequer suspeitávamos, tanto que, um dia se aproximou de mim e me disse: – Gastão, você leva jeito para a docência e para a pesquisa, enquanto você não fizer algum concurso e virar professor de verdade, não gostaria de me ajudar no curso de graduação da Santa Casa? Trazer um pouco de prática para os alunos, nossos cursos estão muito distantes do dia a dia. Não deu outra, durante quatro anos fui seu auxiliar voluntário. Eu era ainda um mestrando, jovem, inexperiente e arrogante, havia terminado a residência há pouco tempo e trabalhava na atenção básica em Santo André e,
mesmo assim, a professora Regina, com uma dose imensa de generosidade, me estimulou a investir em meus projetos delirantes.
Na realidade, ela me deu o “passe” simbólico que me autorizou a ingressar na vida adulta, a almejar a profissionalização. Para mim, a professora Regina, apesar de nos tornarmos colegas depois, sempre foi e sempre será minha professora, mestre da arte de ensinar e de viver.
Gastão Wagner de Sousa Campos – presidente da ABRASCO.