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Ideias nem tão desconjuntadas – por Ligia Bahia

Vilma Reis

Foto: Abrasco

Membro da Comissão de Política da Abrasco, a professora Ligia Bahia assina o artigo ‘Ideias nem tão desconjuntadas’ na página Opinião do jornal O Globo, desta segunda-feira, 9 de abril. Confira:

Tem sido assim: os últimos políticos nomeados para o Ministério da Saúde apresentaram soluções simples, inéditas e equivocadas. Acaba de sair do forno a proposta de utilizar prédios de unidades de saúde como creches. O ímpeto dos executivos da pasta é diminuir o SUS. E, para atingir esse objetivo, vale apoiar planos privados com restrições de cobertura, repassar recursos da União para estados e municípios — sem contrapartidas definidas em termos de atendimento à saúde — e, agora, entregar estabelecimentos do SUS para a área de educação.

São iniciativas caracterizadas pela desistência de cumprir o que está previsto na Constituição, se livrar das reclamações de prefeitos e secretários de Saúde, que estão às voltas com prédios construídos que não funcionam ou estão semiocupados, e obter apoio empresarial para alavancagem de carreiras parlamentares ou postos mais altos no Executivo. Mas, em anos eleitorais, o pêndulo tende a se mover em sentido oposto, para o lado da abertura de mais unidades de saúde.

Já se nota a movimentação em torno da inauguração e reinauguração de hospitais e outros estabelecimentos de saúde. Possivelmente, as plataformas de campanha à Presidência e aos governos estaduais incluirão promessas de novas reformas e edificações. Candidatos a deputado, governador e presidente, seja de que partido for, declararam e renovaram promessas de amor incondicional ao SUS. O processo eleitoral estimula um ciclo expansionista de curta duração. Investimentos federais realizados para aumentar a capacidade física instalada foram sucedidos pela etapa de obras paradas. Segundo informações do Sistema de Monitoramento de Obras do Ministério da Saúde, entre 295 projetos de unidades de pronto atendimento aprovados para as capitais, 101 foram cancelados e apenas 73 concluídos, o restante permanece aguardando início ou finalização da construção.

A não conclusão ou sequer início dos prédios decorre da falta de recursos para custeio e profissionais. Prefeitos, secretários de Administração e Saúde recusam a responsabilidade por mais unidades “fantasmas”. As emendas parlamentares (R$ 7 bilhões em 2018 para Saúde) não resolvem a penúria e estimularão comícios diante de placas de fundação e portas de unidades de saúde, de parlamentares que pretendem novo mandato.

A partir de 2017, o ministro Ricardo Barros autorizou o uso de recursos de emendas para custeio e pagamento de pessoal. Por exemplo, cinco parlamentares do partido Avante aprovaram cerca de R$ 40 milhões em emendas para quatro estados, a maior parte (80%) para custeio. Essas proporções — tanto a relativa à disponibilidade de recursos por parlamentar quanto a distribuição entre os itens de despesa — variam entre partidos e parlamentares. A maioria das emendas para a Saúde do presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se destina à ampliação da oferta pública, sendo cerca de 25% para atenção especializada em Nova Iguaçu.

Menos recursos para o SUS e mais intervenção do Legislativo na definição da alocação — agora também nas despesas para compra de insumos e pagamento de profissionais — inclinam o pêndulo para o lado das nomeações político-partidárias para cargos técnicos na saúde. Por um lado, os representantes eleitos impõem uma racionalidade antitecnocrática no SUS. Por outro, introduzem uma dependência de negociações políticas e, portanto, instabilidade permanente no funcionamento cotidiano dos serviços de saúde. Essas oscilações, expressas nas notórias descontinuidades de programas de governos, terminam por potencializar obras inacabadas e políticas de saúde de partidos ou coalizões governamentais, e não de Estado. Como as carreiras políticas admitem o vaivém em cargos executivos, a ambiguidade pró e contra o SUS torna-se superlativa.

Um ex-ministro, agora candidato a deputado, afirmou uma posição favorável ao corte de recursos, mas distribuiu recursos para suas bases eleitorais. A perspectiva restritiva de gastos é compatível com o crescimento de clientelismos e mau uso das verbas públicas. Improvisação e ideias aparentemente bizarras são boas condutoras para práticas de apropriação de fundos públicos para fins particularistas. Quem se candidata defende a saúde pública e, logo após, poderá usar unidades de saúde para obter acessos privilegiados para eleitores ou, pior, enquanto espaços de negociação de obras e aquisição de insumos.

Enquanto isso, o SUS se torna mais e mais dependente de micro e macro acordos políticos que o mantêm, mas definem o uso de seus recursos segundo critérios que agravam desigualdades. Propor que a área de educação, também às voltas com diminuição de orçamento, se responsabilize pela capacidade ociosa da saúde é mais uma peça de vasto repertório de ficções. A impressão sobre a existência de dinheiro para a saúde escorrendo pelo ralo é falsa. É a coexistência perversa de menos recursos e uma alocação carimbada por prioridades eleitoreiras que, obviamente, não se ajustam às necessidades de saúde pública, que reforçam a fragilidade do SUS.

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