Durante 12 meses, as finanças da Unimed-Rio serão acompanhadas de perto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A chamada direção fiscal, que não afeta a gestão da cooperativa de médicos, ocorre devido à “anormalidades administrativas e/ou econômico-financeiras graves” e surge após meses de relatos de problemas financeiros, que desde 2014 afetam o atendimento de 1,1 milhão de clientes. Segundo a ANS, a medida interventiva só foi tomada após ter dado oportunidade para a cooperativa se regularizar, o que não ocorreu.
A cooperativa tem agora a situação econômico-financeira acompanhada pelo diretor Gilberto Gomes, pelo prazo de um ano – mas ele não tem poder de gestão. A decisão unânime da diretoria colegiada da ANS foi publicada no Diário Oficial da União de 25 de março, em nota a Agência esclarece que ‘a direção fiscal consiste no acompanhamento presencial feito por agente nomeado pela Agência (diretor fiscal), e é ocasionada pela identificação de anormalidades administrativas e/ou econômico-financeiras graves’. A nota deixa claro que, apesar de estar sob direção fiscal, a Unimed Rio ‘mantém a obrigação de prestar total assistência aos seus beneficiários regularmente’. A operadora tem, atualmente, 1,1 milhão de usuários e 5,3 mil médicos cooperados. ‘Entendemos, neste momento, com a direção fiscal, haver condições de reversão dos problemas que [a Unimed Rio] vem enfrentando’, acrescenta a agência.
Ligia Bahia, membro do Conselho da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que essa intervenção é um forte indicador das fragilidades da delegação de responsabilidades de coberturas assistenciais ao setor privado. Para ela, os defensores da privatização a apresentam como “apanágio de eficiência” e que no entanto, os fatos contradizem a lenda. “Empresas privadas de planos podem ser mal geridas e estão sujeitas a erros de previsão sobre investimentos expansionistas. O Sistema Único de Saúde (SUS) é a alternativa adequada para o Brasil, exatamente por seu caráter de política pública anti-cíclica, ou seja, seu potencial efetivo para impedir que as pessoas deixem de obter cuidados à saúde em situações de piora, de variação das condições econômicas”, ressaltou. Ligia sinaliza que o exemplo da Unimed ilustra bem os impactos dos contextos contracionistas em esquemas assistenciais baseados na capacidade de pagamento de indivíduos, famílias e empresas empregadoras. “A miragem da propalada segurança do plano cede vez a uma realidade que revela os pés de barro do modelo societário do empreendedorismo individualista”, pontuou.
Isabela Soares, cientista social, mestre e doutora em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, vê com bons olhos que a instauração de regime fiscal da Unimed Rio pela ANS esteja fazendo tanto barulho. Para ela, o interesse da população sobre os problemas que aí estão envolvidos abre espaço para pensarmos se isso é adequado e suficiente. “Mas adequado para quê e suficiente para quê e para quem?”, pergunta a pesquisadora. “Em primeiro lugar, temos que lembrar que independentemente dos motivos que levam as pessoas a pagarem por plano de saúde, elas deveria estar sendo atendidas pelo que pagaram. Se estamos falando de plano privado de saúde, estamos falando da compra de um bem/serviço, então estamos falando de direito do consumidor. Nesse sentido, é bom o Estado brasileiro defender o consumidor e manter as regras que garantem vivermos numa sociedade civilizada, com plena vigência do Estado de Direito. Em segundo lugar, as pessoas pagam para o plano de saúde pensando que vão ter acesso a muitos dos mesmos serviços que o SUS oferece, mas com facilidade no acesso, humanidade no atendimento e uma hotelaria bem vistosa, como mostra as propagandas das empresas de assistência privada. Quando não recebem o esperado, reclamam. Quando deixam de ter acesso aos serviços do plano, como no caso de muitos clientes da Unimed Rio, gritam. E estão certos”, explica.
Isabela enfatiza que o problema está no fato de que quando pagamos pelo plano privado, deixamos de brigar para melhorar o SUS. Por esse motivo, afirma a cientista, caímos na armadilha do público-privado no setor de saúde. “Todos nós já pagamos porque o SUS é financiado pelos tributos, é um direito de cidadania. Para todos, independentemente de raça, renda, escolaridade, moradia ou condição de saúde. Se fosse só isso, não tinha problema, apenas certa confusão sobre o que se paga e para quê. E confusão também sobre onde o Estado deveria centrar os esforços para melhorar, se o SUS ou se os planos de saúde ou se os dois”, disse. Entretanto, Isabela esclarece que a armadilha é sorrateira: “(1) quando nos aposentamos, nossa renda cai e nesse momento já estamos mais velhos, precisando de mais serviços de saúde. Esse mesmo período é marcado pela alta nos valores dos planos; e (2) quando ficamos desempregados, não temos renda para pagar o plano. Nesses dois momentos são quando mais precisamos do SUS”. Por outro lado, “não adianta brigar pelo SUS só quando aposenta ou desemprega, o SUS não vai melhorar de repente”, ressalta. “É um sistema extremamente complexo, num país mais complexo ainda. Me perdoem o excesso de repetição do termo, mas qualquer melhoria requer o constante posicionamento da sociedade para que o SUS siga melhorando (sim, o SUS tem muitos, mas muitos problemas mesmo, mas é incontestável que a saúde dos brasileiros melhorou em relação ao que era no início do Sistema Único de Saúde, e isso não é obra dos planos privados). O que as pessoas não estão percebendo é o estelionato que estamos vivendo: as empresas de planos de saúde vendem o que não nos servem quando mais precisamos e de quebra ganham o extrato mais rico da população, que é justamente os formadores de opinião, com poder de influência, os quais deixam de gritar pelo SUS. O que vemos é o grito pelos planos. Se nós na sociedade brasileira queremos sistema públicos de excelência como dos europeus, vamos ter que pressionar os governos para que fiquem bons a ponto de usarmos, reclamarmos e assim exigirmos nosso direito de cidadão”.
O acompanhamento das finanças da Unimed-Rio por Gilberto Gomes mesmo com um prazo de 365 dias, poderá ser retomado uma ou mais vezes. A Unimed Rio informou, também por nota, que iniciou, no final do ano passado, um plano de gestão para reverter o cenário de dificuldades. Na nota, assegura que “as medidas gerenciais tomadas já começam a refletir na melhoria dos indicadores econômicos exigidos, na completa normalidade assistencial e na regularidade do pagamento aos prestadores”. A direção da Unimed Rio espera que a direção fiscal instaurada pela ANS venha se somar às medidas já implementadas pela empresa. Confirmou também que nada muda para os seus clientes, cujos direitos de atendimento são garantidos por lei.
Reclamações e dúvidas dos beneficiários de planos de saúde devem ser encaminhadas à ANS, que disponibilizou seus canais de relacionamento para atendimento ao público – o Disque ANS 0800 701 9656, os 12 núcleos presenciais da ANS no país e a Central de Atendimento ao Consumidor na página www.ans.gov.br.