Contaminação, envenenamento, efeitos nocivos à saúde: palavras fortes que pontuaram o lançamento do Dossiê Abrasco – um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, ocorrido na noite desta terça-feira 28 de abril, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os organizadores do livro disponibilizaram informações que comprovam o elevado índice de agrotóxicos nos alimentos, nas águas dos rios e até no leite materno de muitas brasileiras. O veneno é utilizado diariamente e faz do Brasil o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
A liberação comercial desses agrotóxicos implica em contaminação dos ecossistemas produzindo sérios problemas para a saúde no campo e nas cidades, desde 2012 a Abrasco divulga pesquisas e estudos para alertar a população e as autoridades públicas responsáveis para a necessidade de medidas emergenciais.
A noite deste 28 de abril foi mais um alerta, a Associação reuniu no dia nacional para lembrar as vítimas de acidentes de trabalho, pesquisadores, representantes de movimentos sociais, agricultores e jornalistas que preencheram os 200 lugares do auditório 113 por quase 4 horas. O lançamento começou com a apresentação da pesquisadora e toxicologista Karen Friedrich, uma das organizadoras do livro – “O modelo de produção agrícola baseado na ‘tecnologia’ química e de transgênicos tem que ser revisto”, afirma a toxicóloga Karen Friedrich.
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Sob a mediação de Fernando Carneiro (Coordenador do GT Saúde e Ambiente da Abrasco) a mesa de abertura contou com a participação de representantes de várias instituições comprometidas com o impacto: Luis Eugenio Souza, presidente da Abrasco; Valcler Rangel representando a Fundação Oswaldo Cruz; o Procurador Pedro Luiz Serafim que coordena o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos; Paulo Petersen, da Articulação Nacional de Agroecologia; Luiz Antonio Santini, diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer José Gomes da Silva; Teresa Liporace, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; Maria Emilia Pacheco, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e Nívia Silva, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Para o presidente da Abrasco Luis Eugenio Souza o Dossiê é um instrumento poderoso, de elevação da consciência sanitária em nosso país, um instrumento de pressão sobre os tomadores de decisão política, para que se reverta o sistema de desenvolvimento que se tem implantado em nosso país e que já mostrou ser insustentável. Eugenio pontuou ainda a composição da mesa de abertura – ‘essa mesa mostra que estamos conseguindo construir um arco de aliança que vai conseguir reverter esse lobby poderoso e derrotar essas políticas públicas que ainda insistem num modelo prejudicial à saúde, ao meio ambiente e que não leva ao desenvolvimento social que precisamos e merecemos’. O presidente da Abrasco reforçou ainda que o importante agora é divulgar as informações contidas no Dossiê – ‘os conhecimentos que estão aqui reunidos vão continuar alimentando e potencializando a nossa luta. Agradeço mais uma vez a possibilidade da Abrasco estar aqui participando deste momento’ finalizou Luis Eugenio.
Fiocruz reafirma compromisso
Representando o presidente da Fundação Oswaldo Cruz, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação, Valcler Rangel Fernandes, pontuou a dedicação que a Fiocruz tem dado a questão do agrotóxico – ‘grande parte do GT de Saúde e Ambiente da Abrasco é constituído por pesquisadores da Fundação, nós queremos tirar este tema da invisibilidade, mas essa luta tem sido recheada de vitórias parciais e ainda alguns recuos. Hoje, nosso compromisso é tentar cada vez mais capilarizar este tema na sociedade, para que possamos criar uma matriz de desenvolvimento mais saudável que consiga enfrentar os grandes, o dossiê vem instrumentalizar nossa missão que é a de nos colocarmos a serviço do público, para conquistar mais saúde e mais qualidade de vida no Brasil’ explicou Rangel.
INCA, CONSEA e IDEC: contra o agrotóxico e pela vida
Antes de falar sobre o Dossiê, o diretor-geral do Inca, médico e professor Luiz Antonio Santini Rodrigues da Silva, pontuou a presença de Anamaria Tambellini (do GT Saúde e Ambiente da Abrasco) com uma referência especial à presença da professora – ‘Anamaria teve um trabalho pioneiro e importante neste processo de juntar a questão da saúde do trabalhador, da política de saúde e a questão ambiental. Essa foi uma grande novidade há uns anos, e isso se constituiu num dos pilares da reforma sanitária’ agradeceu Santini. O diretor reforçou ainda o interesse do Inca na discussão dos impactos do agrotóxico na saúde – ‘Estou bastante emocionado de poder participar deste espaço de discussão mais amplo, onde podemos ver o câncer como um problema de saúde pública. Precisamos questionar: quais os fatores de risco, quais os fatores ambientais, os fatores da nossa alimentação, o quanto os aspectos ligados ao cotidiano têm importância na gênese e também na possibilidade de evitar o aparecimento de câncer? E é neste sentido que o Inca se responsabiliza em participar desta discussão, disponibilizando nossas bases técnicas e científicas’ Santini finalizou sua fala colocando o conhecimento científico do Instituto à disposição, assim como a experiência de mobilização da sociedade que o Inca possui.
A presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea Maria Emilia Pacheco, parabenizou publicamente o Inca pela atitude extremamente corajosa de se posicionar recentemente sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Para Emília a noite do lançamento era um alerta, um grito – “sobretudo uma convocatória, para que nós avancemos chamando cidadãos, pois estamos falando da defesa da vida, e esse Dossiê nos coloca diante da emergência de posicionar a ciência diante de outros paradigmas de enfrentamento” avançou Emília. Ela salientou os pontos mais importantes do conceito de alimentação adequada e saudável como uma bandeira do Consea – “chamo atenção para este conceito porque ele é mais incisivo e mais claro do que o nosso conceito de segurança alimentar e nutricional: é preciso garantir o acesso permanente ao alimento, respeitar as diferenças culturais, reconhecer as diferentes formas de produzir sabores e saberes , o alimento deve ser livre de agrotóxicos e transgênicos, e essas definições não são fruto de uma ou duas cabeças pensantes, foram cunhadas numa mobilização social das nossas conferências” lembrou a presidente.
Maria Emília relacionou o lançamento do Dossiê com outras duas publicações importantes: o novo Guia Alimentar para a População Brasileira e o livro Alimentos Regionais Brasileiros. “Este Guia está mais ousado, ele vem enfrentando a indústria dos alimentos fazendo a defesa do alimento in natura, contra os produtos ultraprocessados. Convido o Dossiê para dialogar com o Guia e também com o livro Alimentos Regionais Brasileiros e convido a todos para a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em novembro, onde vamos poder discutir que ‘Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar’.
+ Acesse aqui o Guia Alimentar e o livro Alimentos Regionais Brasileiros
Para a representante do Idec Teresa Leporace, a luta contra o agrotóxico carece hoje de parcerias e estratégias. Teresa explicou que a missão do Instituto é “conscientizar o cidadão que compra, aquele que tem o poder de escolha, nós mobilizamos essas pessoas. E descobrimos que o brasileiro que escolheu adquirir produtos livres de agrotóxicos não sabe onde comprar insumos agroecológicos. Por isso produzimos o Mapa de Feiras Orgânicas, que é uma ferramenta de busca rápida, idealizada pelo Idec, com objetivo de tornar os produtos orgânicos mais acessíveis aos consumidores e fomentar uma alimentação saudável em todo Brasil” explicou Teresa. (Acesse aqui o Mapa de Feiras Orgânicas) O Mapa traz georeferências das feiras orgânicas, os grupos de consumo, as comunidades suportadas pela agricultura, os produtores e agricultores orgânicos e as associações e cooperativas de produtores. Tudo isso para encurtar o caminho do consumidor até o produtor, possibilitando ao consumidor uma ampla diversidade de acesso aos alimentos orgânicos. “Em paralelo, acompanhamos também as ações voltadas à valorização da agricultura familiar, o estímulo à produção de alimentos orgânicos e agroecológicos e à proteção dos hábitos alimentares tradicionais e de alimentos que fazem parte da nossa cultura” comentou Teresa.
Academia Brasileira de Ciências para quem?
Paulo Petersen, da Articulação Nacional de Agroecologia revelou que foi na Uerj, em 2003 que a Articulação nasceu, quando foi realizado o 1º Encontro Nacional de Agroecologia e avançou – “a Uerj sempre abriu as portas para esse tipo de produção de conhecimento: uma articulação da ciência e da população. Mas não posso deixar de comentar que nós estamos aqui hoje porque não fomos acolhidos pela Academia Brasileira de Ciências – ABC e nossa expectativa era ser lançar este Dossiê na Academia porque na verdade nós estamos celebrando a ciência! E celebrar a ciência nos coloca a necessidade de discutir as instituições da ciência. E quando a ABC não acolhe este caminho de se fazer ciência, nos questionamos que tipo de instituições estão, no Brasil, a serviço da ciência” evidenciou Petersen.
Para Paulo é preciso reorientar o foco da ciência “é a partir do conhecimento, das práticas, das formas de gestão do meio ambiente, que os povos tradicionais fazem, produzindo riqueza e distribuindo riquezas, que temos que reorientar o foco da ciência. O agrotóxico nada mais é do que a combinação deletéria entre a voracidade econômica do agronegócio e vulnerabilidade ecológica provocada pelo agronegócio. E as pragas aparecem como resposta da natureza”. Petersen comentou que mesmo passando por um momento bastante difícil no Brasil, é possível aproveitar oportunidades de articulação e luta “Devemos defender a oficialização do Programa Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos (PRONARA) ele articula um conjunto de ministérios e mostra que é possível reduzir drasticamente o consumo de agrotóxicos no Brasil” finalizou Paulo Petersen.
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De acordo com o Procurador Pedro Luiz Serafim que coordena o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, a preocupação do Ministério Público do Trabalho sobre os agrotóxicos no Brasil, surgiu em 2001, em Pernambuco, a partir de um relatório encaminhado pela então DRT, que apresentava um quadro preocupante de contaminação de trabalhadores e do meio ambiente do trabalho com vários tipos de produtos fitosanitários. “Na verdade, o trabalhador é quem mais está exposto aos riscos dos agrotóxicos, pois participa desde a fabricação do produto, transporte, comercialização, até a aplicação e descarte das embalagens vazias” reitera o Procurador. O Fórum Nacional foi criado em 2009, e funciona como rede articuladora de ações concretas de combate aos impactos dos agrotóxicos no país. “Nós estabelecemos como objetivo gerar maior dar visibilidade para o problema dos agrotóxicos no Brasil e promover a criação de instrumentos semelhantes nos Estados onde o problema é mais preocupante. O fato de o Brasil assumir o primeiro lugar no mundo como país consumidor de agrotóxico exige ações urgentes de proteção dos bens jurídicos envolvidos” explicou Serafim.
Nívea Regina da Silva representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos Pela Vida, é ainda da coordenação estadual do MST no Rio de Janeiro e coordenadora também da campanha contra agrotóxicos dentro do movimento. Na sua participação na mesa de abertura Nívea pontuou o trabalho dos pesquisadores – “Nesta caminhada estreitamos relações com os pesquisadores que são comprometidos com a causa do povo, nós os chamamos de camaradas, porque enfrentar e evidenciar que a ciência tem um lado não é fácil, colocar publicamente que defender a agroecologia e reforma agrária como caminhos para o fim do uso dos agrotóxicos no Brasil é bastante difícil, esses camaradas mostram qual a ciência que eles estão comprometidos. “Talvez não tenha sido uma coincidência, mas batizamos a primeira turma do mestrado profissional em trabalho saúde, ambiente e movimento sociais da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) de Primavera da Luta. Nós devemos mostrar ao Brasil qual o modo como o agronegócio tem organizado e ameaçado a vida no campo. Nós temos que construir a Primavera da Luta” finalizou emocionada Nívea Regina.
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