O painel “A luta em defesa da Reforma Sanitária e da consolidação do SUS no contexto de desmonte do Estado de Bem-Estar Social” abriu, oficialmente, o 3º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco. Coordenado por Cripiano Maia, da UFRN, os painelistas Gastão Wagner (presidente da Abrasco), Cornelis Johannes van Stralen (Cebes) e Jairnilson Paim (ISC-UFBA) demonstraram extrema clareza sobre a situação do desmonte do Estado de Bem-Estar Social, com foco na admissão dos problemas que o Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta com quase 30 anos de existência, e a discussão sobre a construção de um novo movimento que contemple as transformações atuais no contexto social e político no Brasil.
Gastão começou sua fala, parafraseando Sartre, afirmando que “a esperança somos nós, os outros e o que fazemos com as circunstâncias”, ressaltando que é preciso trabalhar a perspectiva da incorporação dos “outros”, das pessoas nesse processo. A clareza de que a política hoje se apresenta como uma prática de valor de uso e de troca, baseada no que é considerado concreto, e que deste modo caracteriza-se pela exigência do trabalho com paradoxos o tempo inteiro; foi importante para que o público, que lotou a plenária, compreendesse que o SUS precisa sair do espectro de um “Sistema para pobres” para o fato de que ele é “um grande sistema de saúde”. Para Gastão, os interesses da maioria da população deverão prevalecer, ter mais poder, sempre amparado pela amplitude da democracia. “O sentido de política não pode ser reduzido ao partidário. Política é mais que o partido”, disse.
Nesse sentido, Gastão acredita que a judicialização indica uma degradação das relações sociais. “No âmbito do SUS, quanto maior a dificuldade do Sistema Único de Saúde em atender às demandas da população, maior a judicialização”. Por isso, “é preciso pensar numa concepção ampliada de política”, pontua o presidente da Abrasco. “A esquerda acha que os meios justificam os fins em nome de um projeto que consideram reformista. A Abrasco, no contexto dessa discussão política, criou redes de debates sobre isso. “Fomos contra o ‘golpe” e o “empeachment’, mas fomos criticados por muitos porque nos acusavam estar apoiando a política partidária. Mas quero afirmar mais uma vez que não se trata de um lado partidário, mas o lado da república. É preciso mais que ações de resistência. É preciso recompor o projeto político, reconstruir a nós mesmos como movimentos sociais, repensar nosso projeto”, analisa Gastão. Ele considera a tradição da Abrasco “boa”, movimento social de novo tipe, entretanto, lucidamente, acredita que é preciso repensar o que foi feito e o que somos. “Precisamos ser consertados, ampliados e reforçados. O SUS tem uma força que é a existência dele. Mas temos que ter um novo projeto, reconhecer problemas e pensar em soluções”, finalizou.
Cornelis Johannes van Stralen, presidente do Cebes, revisitou a história do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) e reforçou a missão histórica da entidade na luta pela democratização da sociedade e na defesa dos direitos sociais, em particular o direito universal à saúde. Disse que o Cebes forma o movimento da reforma sanitária brasileira, com o objetivo de fortalecer os atores desse processo por meio da ampliação do pensamento crítico e da consciência sanitária, “elementos essenciais a prática e ação política”, disse. Seguiu sua fala retomando o welfare state, os chamados Estados de Bem-Estar Social, que tiveram seu apogeu logo após a segunda guerra mundial. Cornelis explica que o termo serve basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos, sem esquecer de caráter público e reconhecidos como direitos sociais. Mas o presidente destaca que o Brasil nunca chegou a estruturar um Estado de Bem-estar semelhante aos dos países de Primeiro Mundo.
O último painelista da noite, Jairnilson Paim, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, depois de agradecer à comissão do Congresso pela oportunidade de estar presente no evento, disse que estava muito impressionado com a quantidade de mulheres na plenária, arrancando aplausos do público presente. Acrescentou que essa observação se fazia necessária para um registro de que “junto à garotada que ocupou as escolas e que deu um outro sentido às lutas mais recentes que a população brasileira está realizando, há um protagonismo muito significativo das mulheres em defesa da democracia e contra as ameaças dos direitos. Completamente diferente ao que ocorreu em 1964 (eu só tinha 15 anos na época, mas me lembro). Isso são indicações do momento que estamos vivendo e também momentos de possibilidades. Justamente pensando nas mulheres e ainda mais nos jovens, que falo que precisamos renovar esse projeto da Reforma Sanitária, mas também radicalizar a participação de diversos atores nesse processo”.
Para Paim, essa renovação e radicalização só são possíveis serem feitas se soubermos o que fizemos para sabermos o que vamos fazer. “A Reforma Sanitária não é uma coisa que aconteceu lá em 1980. Ela deve ser entendida como um movimento, um processo, um projeto, e que dependendo das conjunturas, o momento do movimento pode ser muito mais relevante do que o momento do projeto da sua implantação”, ressaltou. Acesse PDF da apresentação de Jairnilson Paim.