O Governo de Minas, aproveitando-se de obrigação derivada da Lei 14.026/2020, elaborou estratégia para a maciça privatização dos serviços de saneamento no Estado, que inclui Projeto de Lei definindo a regionalização dos serviços.
No âmbito dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, a proposta do governo divide o estado em 22 Unidades Regionais (URAEs), abrangendo todos os 853 municípios, tanto aqueles atendidos pelas empresas do estado – Copasa e Copanor -, como aqueles atendidos por serviços municipais – administração direta pelas prefeituras, por intermédio de empresas públicas ou autarquias municipais (SAAEs, DMAEs e afins) -, e ainda aqueles atendidos por concessionárias privadas. Também no âmbito da gestão dos resíduos sólidos, a divisão do estado em 34 Unidades Regionais (URGSs) alcançou todos os 853 municípios.
Essa iniciativa é a expressão ideológica do Governo Zema, no que se refere à sua visão sobre um serviço essencial como o saneamento básico, ao papel do estado, e sua forma de governar:
- o PL foi construído ao longo de quase um ano sem participação de prefeitos ou vereadores dos municípios mineiros, que somam quase 10.000 representantes eleitos pela população do estado;
- o processo desconsiderou a possibilidade de construção de uma proposta com apoio das organizações da sociedade civil que atuam no setor, como as associações profissionais ligadas à área, os comitês de bacias hidrográficas, as instituições de ensino e pesquisa, os movimentos sociais;
- mais grave, excluiu o envolvimento dos(as) 77 deputados estaduais na construção da proposta, sendo que a eles(as) caberá a responsabilidade de, em curto espaço de tempo, apreciar e deliberar sobre o Projeto de Lei, com consequências sobre toda a população do estado.
O projeto apresenta diversas imperfeições e equívocos técnicos e jurídicos, incorrendo, inclusive, em inconstitucionalidades; traz, portanto, riscos reais de prejuízos a toda a população do estado, podendo ser destacados:
- visão clara de interesse em privatizar a prestação dos serviços de saneamento, deixando de se orientar na preservação da atuação dos inúmeros prestadores públicos municipais, bem como das empresas estaduais – Copasa e Copanor;
- desconsideração de especificidades técnicas, econômicas e culturais necessárias para incluir e integrar à universalização pretendida as comunidades rurais, os povos tradicionais, as pequenas localidades, as comunidades ribeirinhas, e as populações em situação de assentamentos informais, entre outros grupos populacionais vulneráveis.
- comprometimento de renda das pessoas completamente incompatível com a preservação da vida das parcelas da população em situação de vulnerabilidade econômica, particularmente aquelas classificadas como Extrema Pobreza, Pobreza e Baixa Renda, e que somam cerca de 6 milhões de pessoas no estado – aproximadamente 1/3 da população –, mostrando que a universalização propalada não será, de fato, para todos;
- tendência de incremento das tarifas a serem cobradas pelos serviços, assegurando a remuneração dos prestadores privados, mas sem proteger o direito humano fundamental de todos e todas, sem exceção, terem acesso aos serviços;
- completo desprezo pelo controle social e tentativa de imposição da regulação dos serviços pela agência reguladora do estado (ARSAE-MG), de modo a assegurar o estabelecimento dos incrementos tarifários requeridos para remunerar os prestadores privados.
A proposta de Zema de “privatização pela regionalização”, ou de “regionalização para privatização” despreza os enormes riscos de violação dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário, direitos este aos quais o Brasil está legalmente vinculado. Isto, a despeito de diversas advertências internacionais e de diversas evidências de que privatizar esse serviço essencial exclui populações em vulnerabilidade e, no longo prazo, resulta na deterioração da qualidade dos serviços. Com essa iniciativa, o governo submete toda a população mineira a uma aventura institucional, de difícil reversão nas próximas décadas, com base em um mero capricho ideológico. A orientação ultraliberal do governo do estado produzirá, como em várias outras experiências de mesmo matiz que temos testemunhado nos planos nacional e estadual, exclusão, quebra de compromissos, retirada de direitos, desemprego e maximização de lucros dos agentes privados com o uso de recursos públicos.
Por essas razões, as entidades que subscrevem esse Manifesto se dirigem aos executivos municipais e estadual, aos vereadores, aos deputados estaduais e à sociedade com o propósito de alertar sobre os riscos aos direitos humanos representados por essa proposta do Governo Zema. Tal iniciativa, se bem-sucedida, colocará, por décadas, a prestação dos serviços de saneamento refém da obsessão por lucros de empresas privadas operando em um mercado monopolizado, podendo vir a inviabilizar a melhoria da prestação dos serviços e sua universalização a todos e todas, sem exceção ou distinção de quaisquer ordens.
Subscrevem esse manifesto:
- Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento – ONDAS
- Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento Básico de Minas Gerais – ARISB MG
- Arquidiocese de Belo Horizonte – Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário – RESNER
- Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis de Belo Horizonte – ASMARE
- Associação dos Servidores do IBAMA e do ICMBIO em Minas Gerais – ASIBAMA MG
- Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social – AEDAS
- Associação Nacional de Catadores e Catadoras – ANCAT
- Central dos Movimentos Populares – CMP/MG
- Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB
- Central Única dos Trabalhadores – CUT MG
- Centro Acadêmico de Engenharia Ambiental da UFOP
- Centro Acadêmico de Engenharia Ambiental da UFV
- Centro Acadêmico Zilda Xavier – Geografia/UFV
- Coletivo Alvorada BH
- Confederação Nacional das Entidades Negras – CONEN
- Cooperativa de Reciclagem dos Catadores da Rede de Economia Solidária – Cataunidos
- Cooperativa dos Trabalhadores e Grupos Produtivos da Região Leste – COOPERSOL – LESTE
- Cooperativa Solidária dos Recicladores e Grupos Produtivos do Barreiro e Região – COOPERSOLI-BARREIRO
- Diretório Central dos Estudantes – DCE/UFV
- Federação Interestadual de Sindicatos de Engenharia – FISENGE
- Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas – FMCBH
- Frente Brasil Popular
- Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG – GESTA
- GT Água e Saneamento – FIOCRUZ
- Instituto DH de Direitos Humanos
- Instituto Guaicuy
- Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável – INSEA
- Instituto SUSTENTAR Interdisciplinar de Pesquisas em Sustentabilidade
- Laboratório Fluxus da UNICAMP – Projeto Ciclos/ORIS Esmeraldas MG
- Levante Popular da Juventude
- Marcha Mundial das Mulheres
- Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
- Movimento dos Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos – MTD
- Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR
- Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
- Movimento Rola Moça, Resiste
- Núcleo Alternativas em Economia Solidária da UFMG
- Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens – NACAB
- Observatório das Metrópoles – Núcleo RMBH
- Partido dos Trabalhadores – PT/MG
- Partido REDE Sustentabilidade MG
- Partido Socialismo e Liberdade – PSOL MG
- Projeto Manuelzão/UFMG
- Rede de Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando – WIEGO
- Seção Sindical dos(das) Docentes do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – SINDCEFET-MG
- Sindicato dos Engenheiros de Minas Gerais – SENGE MG
- Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais – SINPRO
- Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais – SINDÁGUA MG
- Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais – SINDIELETRO
- Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais – Sind-UTE/MG
- União Colegial de Minas Gerais – UCMG
- União da Juventude Socialista – UJS
- União Estadual dos Estudantes – UEE