Os mais de 150 mil casos e mais de 10 mil mortes registradas por Covid-19 vêm gerando uma situação de colapso nos sistemas de saúde de diversos estados. E se a pandemia tem exposto a desigualdade existente no país em diversos níveis, na questão dos leitos não é diferente. Cerca de 55% dos leitos de UTI do Brasil estão na rede privada, que atende somente 25% da população. Enquanto isso, 75% dos brasileiros dependem das vagas do SUS. Com o aumento do uso de leitos hospitalares causados pela pandemia, surgem campanhas em defesa da unificação da regulação de todos os leitos hospitalares pelo SUS. Esse debate tem sido amplificado na sociedade e, por conta disso, está marcado para o dia 13 de maio o lançamento do manifesto da Frente Unificada por políticas públicas solidárias que garantam, durante a pandemia, o acesso universal e igualitário aos serviços hospitalares através do SUS. O documento é apoiado pela Abrasco e mais de 40 entidades e movimentos sociais e traz cinco medidas necessárias para a “urgente de construção de uma resposta eficaz e solidária à epidemia, que salve a maior quantidade de vidas possível, propomos”.
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Apesar de estados como o Ceará e Amazonas já terem colapsado seus sistemas de saúde e Rio de Janeiro e São Paulo estarem próximos da mesma situação, Leonardo Mattos, um dos coordenadores da campanha, aponta os motivos para tal reivindicação seguir sendo pautada: “Em primeiro lugar, sabemos que a pandemia não terminará agora. Teria sido muito importante que esses estados tivessem se programado para utilizar os leitos privados antes do colapso, mas isso deve ser feito o quanto antes, pois teremos mais algum tempo, não sabemos quanto, em que o sistema de saúde vai estar saturado”. Leonardo ressalta ainda a importância das condições de igualdade no acesso à saúde, pois se dariam as mesmas condições para pessoas pobres e ricas conseguirem leitos de UTI: “Não é justo que pessoas com plano de saúde tenham maiores chances de conseguir esses leitos mesmo em período de escassez do que quem usa o SUS”.
Legislação prevê requisição pelo poder público
Outro coordenador da campanha, Pedro Serrano aponta inclusive problemas constitucionais diante da falta de medidas que façam a unificação dos leitos: “Não tem sentido tratar de forma diferente vidas que são iguais. Uma vida que tem plano de saúde não pode valer mais que a de quem não tem. Então, é um problema de princípio constitucional e com evidente implicação moral”. Diante das medidas legislativas e ações no STF que reivindicam a medida, Pedro alerta para a urgência: “Eles precisam agir logo, porque daqui a pouco com o passar do tempo, a eficácia vai ser menor”.
Mas a questão da regulação única vai além da questão de simplesmente se utilizar os leitos privados. A medida proposta de uma regulação única centraliza a coordenação dos leitos nas redes federal, estadual e municipal nos estados, que é quem está centralizando as ações de resposta à pandemia. “Essa medida é de organização da rede e, sem dúvida, já deveria ter sido tomada. Mesmo que ela chegue tardiamente, é fundamental para organizar para os próximos meses que nós vamos precisar”, alertou Leonardo Mattos.
Setor privado muda discurso mas mantém resistência contra medida de regulação unificada
Apesar de Leonardo Mattos relatar que há resistência de alguns gestores locais na unificação, por conta da possibilidade de os leitos de suas cidades poderem ser usados por pessoas de fora devido à regulação do estado, a principal resistência tem vindo do setor privado e contado com a conivência do Ministério da Saúde. Recentemente o ministro Nelson Teich declarou que o que uso de leitos privados pelo SUS não pode ser por imposição. Pedro Serrano, que é advogado, considera a colocação do ministro equivocada: “A Constituição, toda a legislação federal, a legislação do estado de São Paulo e do Rio de Janeiro dizem que é uma prerrogativa do poder público requisitar e requisição é ato unilateral. O poder público obriga o particular a ceder o bem, as instalações, o pessoal… Tudo. Inclusive a constituição fala em pagamento ulterior, ou seja, depois da crise”.
Se a primeira medida tomada pela Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), entidade que representa o setor privado de saúde, foi de reivindicar a liberação de cirurgias eletivas utilizando seus leitos ociosos, o discurso mudou com a ampliação dos pedidos pela regulação única. “A partir de meados de abril, quando o debate da fila única entra com mais força na mídia, você percebe uma mudança completa de postura. A gente vê que tanto a Anahp, quanto outras entidades de hospitais filantrópicos começam a dizer que a sua capacidade está chegando no teto”, analisa Leonardo Mattos. Ele aponta ainda que as entidades começam a questionar se existem outras medidas e se mantém contra a requisição dos leitos privados. Essa mudança de discurso é “contraditória e mostra que eles oscilam de acordo com o interesse e com o debate público”, diz Mattos.
Além da necessidade de os governos estaduais tomarem as devidas medidas, os coordenadores da campanha apontam a importância de que esse debate seja feito por toda a sociedade com dados transparentes. Quando o setor privado diz que seus leitos estão saturados, Leonardo aponta a necessidade de trazerem os dados a público: “Eles não disponibilizaram até hoje dados públicos sobre essa taxa de ocupação. Quantos leitos eles têm? Quantos são destinados à Covid-19? Quantos casos suspeitos? Se não temos esses dados, não podemos nem começar a conversar”. Por fim, Pedro Serrano alerta que tal medida seria também uma “chance de sairmos da crise mais unidos, com os setores mais privilegiados estendendo a mão e construindo o país como nação, algo que não conseguimos até hoje”.
O lançamento será transmitido ao vivo às 14h pela TV Rede Unida no YouTube.