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Ações descoordenadas entre entes federados e indefinição jurídica aprofundam crise sanitária

Diante do esvaziamento da autoridade sanitária, seja por sucessivas desautorizações pela presidência da República, seja pela recorrente judcialização das decisões diante da pandemia provocada pelo novo coronavírus, fica a pergunta: como o diálogo acadêmico pode contribuir para o movimento sanitário propor e promover mudanças na realidade? O colóquio Covid-19 – Distanciamento social e enfrentamento do colapso do sistema de saúde, realizado dentro da programação da Ágora Abrasco em 7 de maio, buscou levantar aspectos sanitários, econômicos e juridícos para a produção dessa resposta coletiva. A coordenação foi de Gulnar Azevedo, docente do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) e presidente da Abrasco.

Rivaldo Venâncio foi o primeiro expositor e destacou a grave crise sanitária somada à crise econômica, e que só reforça os graves e históricos problemas estruturais e desigualdades sociais,  infelizmente expostos à luz da mídia nacional e internacional. O coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fundação Oswaldo Cruz reforçou a necessidade preemente de se realizar um bloqueio completo da circulação nas grandes cidades como forma de dar condições a uma melhor resposta do SUS às ações de assistência à saúde. No entanto, mesmo destacando que não detalharia menções à pauta política, ressaltou que qualquer alteração no ordenamento social não pode desconsiderar o passado. “Temos que ver como Estado vai fazer valer o lockdown. Nossa cultura do bloqueio e da repressão também deve nos preocupar.”

Professora da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP/USP) e presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), Deisy Ventura começou sua intervenção fazendo uma análise sobre o jogo das responsabilidades entre os poderes Executivo e Judiciário dos estados“Começamos a ver hoje as primeiras medidas de lockdown em quatro estados. No Maranhão, foi a justiça que determinou a medida. Mas também tivemos duas medidas em sentido contrário do Judiciário no Amazonas e em Pernambuco”.

Esse descompasso entre os entendidos dos Poderes e descoordenação das ações levou Deisy a cunhar a expressão “lockdown à brasileira“, que expressa essa importante decisão como fruto deliberado pela flutuante e inflada opinião pública, que tem oscilado entre o medo por conta do aumento dos óbitos e a pressão política e o apego aos privilégios. “A lista de medidas essenciais do decreto do governo do Pará é bastante extensa e discutível” disse ela, ao destacar a inclusão das atividades de empregada doméstica, cabelereiro e salão de beleza como atividades essenciais.

Na sequência, Ana Brito, pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães (IAG/Fiocruz-PE) e da Universidade de Pernambuco (UPE) e integrante da Rede de solidariedade contra a Covid-19-PE, criada por docentes, pesquisadores e sociedade civil, apresentou o quadro local. O Estado já construiu sete hospitais de campanha, e não tem mais espaço, nem equipes para novas instalações. A pesquisadora abordou também o processo de interiorização da Covid-19. Em dez dias, houve um saltode 470 para 900 municípios com registros de casos.  “Essa interiorização impressionante vai ampliar a dificuldade de encontrar uma rede que dê amparo a isso, pois são cidades que não têm os hospitais e instrumentos disponíveis na capital.”

Do ponto de vista da economia, Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA/USP), ressaltou que o governo federal escolheu medidas relativamente frouxas de isolamento, supondo que, ao manter a economia funcionando seria o caminho do equilíbrio. “Não é! Pois saíremos disso com uma desigualdade social como nunca vista” ressaltou a autora de “Valsa Brasileira – do boom ao caos econômico”.

Historicamente, relembrou a convidada, políticas de isolamento físico e medidas quarentenárias dependem e precisam ardar casadas com ações de preservação da renda, tanto para indivíduos como para pequenas e médias empresas, para que seja possível a manutenção de vínculos empregatícios – no entanto, o que se percebe é uma postura ausente do Estado – ou no mínimo a dificultação do acesso ao auxílio emergencial. Para Laura, a manutenção do discurso fiscalista, numa espectativa de redução do investimento público para um maior aporte futuro do segmento mais robusto da iniciativa privada, é uma ilusão temerária. “No sentido da produção, na segunda fase, o setor privado não tem condição de fazer a retomada da produção. A dívida pública vai aumentar – o que tem que ser – mas isso abrirá espaço para o discurso de quem defende fazer cortes de investimentos do Estado” explicou Laura.

Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde/MPMG), Luciano Oliveira relembrou que o Estado, compreendendo-o como união indissolúvel dos Poderes e dos entes federativos, tem três níveis de obrigação: respeitar, realizar e proteger. “Quero chamar atenção para a obrigação de proteger, que é a responsabilidade constitucional” ressaltou. O procurador lembrou que estados e municípios podem, por lei, ser mais protetivos à saúde do que a União; e municípios mais do que os estados, algo que foi corroborado pela voltação do Supremo Tribunal Federal, mas que ainda sim tem sido reiteradas vezes questionada pelos defensores do afrouxamento total. “Percebemos uma fragmentação nas políticas públicas de saúde que gera uma enorme insegurança. A população que defende a flexibilização tem trazido esse embate ao Judiciário, quer gera insegurança dos gestores.”

Coube aos debatores completar e aprofundar olhares às exposições apresentadas. Em uníssimo apontaram o esvaziamento da autoridade sanitária em âmbito federal e como tal fato tem degradado as ações nos estados. Fernando Avendanho, assessor do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), abordou a perspectiva dos gestores diretos à frente das 27 Ssecretarias estaduais de saúde do país. Os docentes Anaclaudia Fassa (UFPel) e Antonio Augusto Moura da Silva (UFMA) e a pesquisadora Luiza Garnelo (ILMD/Fiocruz) apresentaram e complementaram os quadros das regiões sul, nordeste e norte, respectivamente. Já os decanos Cláudia Travassos; José Cássio de Moraes e Reinaldo Guimarães destacaram aspectos científicos do cenário nacional.

Assista a sessão na íntegra abaixo e confira a playlist da Ágora Abrasco para ter acesso ao conjunto das sessões:

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