Polêmicas conceituais, antigas discussões sobre capitalismo e diferentes olhares sobre o empresariamento da saúde no país em uma conjuntura de retrocessos movimentaram a mesa redonda “Estado de bem-estar social ou empresarial? O gerencialismo, a colonização e a apropriação privada das políticas públicas de Saúde”, realizada nesta terça-feira (2), como parte da programação do 3º Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde (3º CPPGS) da Abrasco, que acontece em Natal (RN), entre os dias 1 e 4 de maio.
+ Confira aqui a publicação original no site do Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS)
A mesa, coordenada por José Sestelo (Abrasco), teve como convidados três homens: Alcides Miranda (UFRGS), Áquilas Mendes (FSP) e Leonardo Carnut (UPE). A crise do Estado de bem-estar social foi discutida na apresentação de Alcides Miranda (UFRGS), que tem pesquisado o empresariamento da saúde no Brasil nos últimos anos. Para ele, essa crise levou à adoção de características do gerencialismo empresarial pela gestão pública, o que resultou no Estado empresarial ou empreendedor. O pesquisador apontou tendências contemporâneas para esse cenário, que incluem o aumento do empresariamento das instituições estatais e o agenciamento empresarial de serviços estatais para instâncias “quase mercado”, como o terceiro setor; mudanças na gestão do serviço público da égide do direito público, que está relacionado aos princípios das políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS), para o privado, que tem sua expectativa de resultados voltada preferencialmente para a eficiência orçamentária; redução do contrato social da política de saúde para um contrato gerencial, assim como foco em uma assistência baseada em um olhar biomédico ao invés de apropriação e luta por uma política de saúde.
O trabalho do projeto Brasil Saúde Amanhã foi comentado pelo sanitarista, que falou sobre os possíveis cenários futuros para o sistema de saúde resultantes desse contexto. Um deles, baseado na continuidade da política de ajustes do atual governo, é marcado por uma predominância de serviços privados suplementares ao SUS, com uma regulação “frouxa”, tendência de privatização com oligopólios econômicos e incremento de agências assumindo prerrogativas de gestão pública. “O que vai surgir é um pluralismo segmentado e agenciado. […] A gente não pode se esconder mais, a gente tem que reagir”.
Para expor seus “pensamentos contrários aos tempos sombrios que o Brasil está enfrentando”, o professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, Áquilas Mendes, fez uma apresentação povoada de provocações, a começar pelo título da própria mesa-redonda – Estado de bem-estar social ou empresarial?. “O Brasil nunca experimentou nada parecido com um Estado de bem-estar social. Essa é uma definição forjada para se referir àqueles que seriam os anos de ouro do capitalismo. Se houve um momento em que esse Estado foi social, hello, esse momento já passou”, polemizou o docente, que prefere a expressão “Estado social no capitalismo contemporâneo” e acredita que falar em “Estado financeirizado” é mais adequado do que “Estado empresarial”.
Áquilas pontuou que o Estado brasileiro, enquanto Estado capitalista, está ajudando a apropriação pelo capital – de R$ 2,7 trilhões do orçamento executado em 2015, 42,43% foi destinado ao pagamento de juros e amortizações da dívida – com a adoção de políticas austeras, redução de direitos sociais e ataques cada vez mais fortes. Para o pesquisador, é preciso entender o movimento do capital para traçar estratégias de luta. “Se engana quem acha que o problema é só Temer, ele é problema sim, por sinal, antes de mais nada, vamos lá ‘fora Temer”, […] mas estamos vivendo esse tempos turbulentos há cerca de 40 anos, desde o momento da nova fase do capitalismo contemporâneo”, arrematou.
Leonardo Carnut, professor adjunto da Universidade de Pernambuco (UPE), lançou mão de uma metáfora biomédica para dar seguimento à discussão – o Estado como hospedeiro de um vírus mortal: o capitalismo. Na apresentação “O desempenho no gerencialismo: da ordem sociometabólica do capital ao trabalho como empresariamento-de-si”, o docente problematizou a apropriação privada das políticas públicas via gerencialismo e as práticas de agenciamento, parcerias-público-privadas, remunerações variáveis por desempenho e contratualizações de resultados. “Na administração pública brasileira o gerencialismo é usado como empresariamento-de-si”, arrematou.
O 3º Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde (3º CPPGS) da Abrasco segue até o dia 4 de maio, em Natal (RN).