Divulgado no último dia 10 pelo presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros, e abraçada publicamente pela presidenta Dilma Roussef, o conjunto de medidas intituladas “Agenda Brasil” representa o agravamento das condições de saúde da população brasileira e uma ameaça à ordem constitucional, ao quebrar o princípio da universalidade que rege o Sistema Único de Saúde (SUS). Essa é a leitura das entidades que compõem o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, em carta divulgada hoje (13 de agosto) para a Presidência da República e para toda a sociedade.
O documento Carta à Presidente Dilma Rousseff e à sociedade – Nota Pública Sobre o SUS e a “Agenda Brasil”, as entidades signatárias criticam a postura do governo, que muda o norte de sua política de seguridade social para responder a pressões outras, enquanto em outubro de 2014 indicava caminho completamente contrário ao recentemente sinalizado. “Nenhuma das medidas de desmonte deliberado do sistema público foi apresentada durante a campanha eleitoral, quando era uníssona a promessa de fortalecer o SUS em resposta às preocupações da população com saúde”.
Por fim, o documento chama a todos os brasileiros, em especial aos profissionais da Saúde e militantes da Reforma Sanitária a se mobilizarem de todas as formas para mostrar o desacordo da sociedade a essa medida que ataca diretamente não só o SUS, mas o modelo de sociedade que queremos. Leia o documento abaixo na íntegra e acesse aqui a versão em PDF.
Carta à Presidente Dilma Rousseff e à sociedade – Nota Pública Sobre o SUS e a “Agenda Brasil”
O documento “Agenda Brasil”, apresentado no dia 10 de agosto de 2015 por lideranças do Senado ao Governo Federal, traz a proposta de extinção do SUS universal aprovado na Constituição de 1988.
A cobrança de cidadãos assistidos pela rede pública de saúde, de acordo com a faixa de renda, ampliaria as diferenças de qualidade dos serviços e resultaria na completa segmentação do já desigual sistema de saúde brasileiro.
Desmantelar o SUS, em nome da superação das crises política e econômica, poderá conduzir a outra crise sem precedentes: a da saúde. O SUS, ainda que incompleto, com suas limitações e contradições, gerou ações de saúde de amplo alcance, com resultados inequívocos de eficiência econômica e relevância social e sanitária.
Cobrar de alguns pelo atendimento em saúde, pela vacinação, pelo tratamento da aids, pelo transplante, pela urgência e emergência, dentre tantos exemplos, é aniquilar políticas que só deram certo porque são universais.
Erguido sobre valores de solidariedade e igualdade, o SUS colocou em prática o Artigo 196 da Constituição Federal (“a saúde é direito de todos e dever do Estado”) valendo-se da progressividade do financiamento em função da renda. Isso quer dizer que cada cidadão financia o SUS por meio de impostos, de acordo com sua capacidade contributiva, mas todos têm o direito de acessar igualmente o sistema conforme suas necessidades de saúde, nunca em função de sua capacidade de pagar.
A cobrança seletiva por atendimento desfigura o SUS ao institucionalizar portas de entrada diferenciadas para ricos e pobres. A rede pública passaria a funcionar com a lógica privada, enquanto planos e seguros de saúde ficariam ainda mais à vontade para despejar no SUS a demanda que já se omitem em atender: os procedimentos de alto custo, os idosos e os doentes crônicos.
É uma tentativa que vem se somar a outros atentados recentes contra o SUS: a constitucionalização do sub-financiamento público, o incentivo à rede hospitalar privada com abertura ao capital estrangeiro, a ampliação da desvinculação das receitas orçamentárias da União, a desregulação do mercado de planos de saúde e o aumento de subsídios públicos ao setor privado.
Nenhuma das medidas de desmonte deliberado do sistema público foi apresentada durante a campanha eleitoral, quando era uníssona a promessa de fortalecer o SUS em resposta às preocupações da população com saúde.
Poucos meses após a posse da presidente eleita, assiste-se ao uso do SUS como peça de barganha e loteamento político.
Mais uma vez, evita-se o debate sobre o financiamento adequado da saúde ao considerar co-pagamentos como fontes estáveis de receitas, anomalia suprimida até mesmo nos Estados Unidos, com o Obamacare.
As instituições e a legislação conquistadas não podem servir apenas para estruturar o sistema de saúde, mas também para proteger o direito à saúde de qualquer ameaça.
Que não fiquem em silêncio os gestores do SUS, o Ministro e Secretários de Saúde, o Ministério Público e o Poder Judiciário, os Conselhos de Saúde, os profissionais de saúde, os trabalhadores, usuários e movimentos sociais.
Somente uma grande frente que expresse o engajamento cidadão será capaz de defender o SUS e afirmar que este bem comum de todos os brasileiros e brasileiras não pode ser reduzido e amputado.
Que cessem imediatamente as negociações sobre a possibilidade de cobrança no SUS, pois a saúde é um bem jurídico garantido pela Constituição e um direito social duramente assegurado.
O SUS, o direito à saúde e a proteção social não estão à venda.
Tirem as mãos do SUS!
Assinam esta carta:
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Associação Brasileira de Economia da Saúde – Abres
Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde – AMPASA
Associação Paulista de Saúde Pública – APSP
Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – CEBES
Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa
Rede Unida
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
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