O maior especialista em entorpecentes do Brasil foi intimado a depor por apologia ao crime: o psicofarmacologista Elisaldo Carlini prestou depoimento à polícia de São Paulo, nesta quarta-feira 21 de fevereiro, por estudar os efeitos medicinais da maconha há 50 anos, como pesquisador da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva presta total solidariedade ao professor Carlini, que está sendo alvo de mais um ataque à Universidade Pública e à pesquisa científica no Brasil.
Dr. Carlini, hoje com 88 anos, é professor emérito da Unifesp e diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – Cebrid. Ele foi um dos pioneiros no Brasil na pesquisa sobre o efeito da maconha no organismo humano, tema ao qual se dedica há 50 anos. Nas décadas de 1970 e 1980, liderou na Unifesp um grupo de pesquisa que, junto a outros estudos internacionais, possibilitou o desenvolvimento de medicamentos à base de Cannabis sativa, utilizados em vários países para tratamento de epilepsia e esclerose múltipla, por exemplo.
Pelo seu trabalho como pesquisador, foi condecorado duas vezes pela Presidência da República durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Está no sétimo mandato como membro do Expert Advisory Panel on Drug Dependence and Alcohol Problems, da Organização Mundial da Saúde – OMS, e é ex-membro do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos – INCB, eleito pelo Conselho Econômico Social das Nações Unidas. Contrário ao uso recreativo da maconha, é defensor ferrenho da aplicação medicinal da planta.
“Bom, por tudo isso não parece que eu seja um criminoso, né? Mas ontem eu fui prestar declarações à polícia por apologia ao crime. (…) Fiz a declaração, não tenho medo nenhum, mas me dá pena, fico sentido que o Brasil esteja nessa situação. Não sou eu que não mereço, é a ciência brasileira que não merece, porque tem outros que estão em igualdade comigo. É um trabalho seríssimo”, disse Carlini em entrevista.
“Eu fui citado mais de 12 mil vezes pelo mundo. Eu fui condecorado duas vezes pelo presidente da República. Nas duas vezes foi uma recepção de honra, no Palácio do Planalto, e FHC me entregou pessoalmente uma condecoração Grande Cavaleiro da Ordem do Rio Branco, especial do Itamaraty, a outra foi um medalhão científico. Duas universidades me deram título de doutor honoris causa, o ministério da Justiça me deu o título de pesquisador emérito e a Unifesp, de professor honorário. Bom, isso tudo não me faz parecer um criminoso. Mas ontem prestei declarações na delegacia de polícia por apologia ao crime. Um juiz qualquer, não sei quem. A lei brasileira diz exatamente isso. É crime quem propagandeia, produz, fuma. Eu cometo então realmente um crime que não era seguido, né? Mas me pegaram e agora tenho que responder. Não culpo muito o juiz e o delegado que fizeram isso, não. Porque, na realidade, se eu fosse um juiz ou um delegado, 100% fiel às leis, e realmente não olhasse o legal e o legítimo, só o que vale é a lei, o legal, eles tinham que me pegar. Ninguém faz isso mais. O mundo inteiro me chama. Fui chamado inúmeras vezes, dei conferência na faculdade de direito, 3 ou 4 conferências para os advogados da OAB, a convite deles. Então na verdade deve ser alguém que estava de muito mau humor que fez isso. Fiz a declaração, não tenho medo nenhum, mas me dá pena, fico sentido que o Brasil esteja nessa situação. Não sou eu que não mereço, é a ciência brasileira que não merece, porque tem outros que estão em igualdade comigo. É um trabalho seríssimo”, disse o professor em entrevista ao site Nocaute, de Fernando Moraes.