O artigo Crônica do atraso, de Mário Scheffer, publicado na Folha de São Paulo em 7 de junho, contribuiu para reequilibrar a discussão sobre o papel da iniciativa privada no Sistema Único de Saúde – SUS. Um véu ideológico, pró-mercado, vem cobrindo grande parte das manifestações sobre o assunto. O setor público seria “naturalmente” incompetente para prover saúde, educação, pesquisa, etc.
No entanto, ao contrário do que vem sendo alardeado, no provimento do cuidado em saúde, preventivo e assistencial, os sistemas públicos e universais de saúde têm sido mais eficientes e efetivos do que os modelos centrados no mercado, como o caso dos Estados Unidos da América – EUA. Estudos comparativos entre políticas e sistemas de saúde realizados pelo Commonwhealth Fund e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE/Health confirmam a maior capacidade de inclusão, de prover cuidados com qualidade e com menores gastos per capita dos sistemas públicos, nos quais o SUS se inspira.
No Brasil, o SUS, apesar de suas crônicas dificuldades de financiamento e de gestão, tem assegurado a inclusão e a atenção ampliada a milhões e milhões de brasileiros. Sem apostar na correção destes obstáculos, armou-se um discurso, com ar de verdade absoluta, de que estas dificuldades somente serão superadas mediante a privatização e terceirização da rede assistencial pública. Esta visão tem sido apresentada como um mandamento incontornável.
Algumas perguntas não consideradas por este dogma:
- Por que as Organizações Sociais (entidades privadas) estão autorizadas (é legal) a lidar com o orçamento público de modo tão desburocratizada e flexível e as Organizações Públicas (administração direta, autarquias e fundações) não? Discriminação ideológica pró-mercado? Ideologia pura? Interesses privados sendo considerados antes do que o direito à saúde, antes do que evidências científicas?
- Por que o Estado brasileiro repassa somente para as Organizações Sociais orçamento público mediante contratos de gestão? Por que esta eficiente e comprovada modalidade de gestão não é utilizada para mediar relações dentro da própria rede pública? No Reino Unido, há mais de vinte anos, as autoridades sanitárias realizam contratos de gestão, com definição de responsabilidades sanitárias e mecanismos de prestação de contas de cada provedor, entre serviços públicos – hospitais, urgência, atenção básica, saúde mental, reabilitação, etc. Lá não houve necessidade de se inventar Organizações Privadas para a adoção deste tipo de gestão.
Nesse sentido, comparar, no Brasil, a eficiência entre hospitais públicos e organizações sociais é comparar coisas com distintos pesos e distintas condições de operação.
Houve algumas reações grosseiras às observações de Mário Scheffer. Ao invés de argumentos, esgrimiu-se com invectivas raivosas.Talvez porque Mário tenha demonstrado que o mercado da saúde está cada vez mais competitivo, tanto porque se trata de um mercado limitado, como também porque se ampliaram os fornecedores com a abertura ao capital estrangeiro, em decorrência, líderes empresariais tem se demonstrado motivados a se apropriar dos duzentos e vinte bilhões destinados ao SUS. Não há pejo algum em avançar sobre um recurso voltado para cuidar da grande maioria de nossa população e que se tem demonstrado como um dos mais eficientes mecanismos para assegurar direitos e equidade no país.
Na Associação Brasileira de Saúde Coletiva, estamos com Mário Scheffer, estamos com a defesa do SUS, estamos pelo contínuo aperfeiçoamento do funcionamento do SUS. Estamos contra a privatização do SUS.
Gastão Wagner de Sousa Campos – presidente da Abrasco