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Nota do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba sobre a morte de Antônio Carlos de Matos

O Fórum da Luta Antimanicomial organizado em Sorocaba (SP) – FLAMAS – vem por meio desta nota lamentar a perda da vida de Antônio Carlos de Matos, trabalhador da saúde mental de Sorocaba e que foi morto durante um atendimento domiciliar ao usuário Márcio José Moreira.

Prestamos nossa solidariedade aos familiares, amigos e colegas trabalhadores dos serviços de saúde mental. Também, nos solidarizamos com a angústia e dor da família de Márcio. Para ambas as famílias nossos mais sinceros sentimentos e solidariedade para um momento de perda e sofrimento inestimável.

Essa perda simboliza anos a fio do silenciamento dentro dos manicômios da região de Sorocaba e é culturalmente atravessada por preconceito, isolamento, eletrochoques, intolerâncias, violências, torturas em décadas de omissão do poder público em relação ao cuidado das pessoas com transtorno mental.

A Reforma psiquiátrica, que há muito tempo é realizada em outros países e no Brasil somente a partir da Lei 10.210, de abril de 2001, propõe repensar as relações sociais, ressignificar as estruturas para então fazer a mudança de modelo de cuidado em sociedade. O processo de desinstitucionalização é um longo e árduo caminho a percorrer em prol de projetos de defesa da vida, visando à cidadania e a tolerância e convivência com a diferença, com a loucura e sofrimento psíquico.

Vimos também por meio dessa nota lamentar a espetaculização oportunista do caso e ataques e comentários raivosos em redes sociais, em nome de uma justificativa de que os manicômios devem existir. O Flamas trouxe à tona as centenas de vidas que foram dizimadas nessas instituições, muitas delas enterradas em valas de indigentes, porque nunca existiram perante a sociedade. Cabe a reflexão do porquê essas mesmas pessoas que atacam a reforma psiquiátrica nesse momento silenciaram sobre estas mortes em momento passados. Teriam os usuários menos valor dentro de nossa sociedade? Seriam menos humanos, não devendo ter seus direitos garantidos?

O momento atual exige reflexões acerca da qualidade do processo de desinstitucionalização que vem sendo realizado na cidade. Equipes desfalcadas, com formação por vezes insuficiente na área de saúde mental e sem supervisão adequada não são capazes de garantir o cuidado adequado que alguns usuários requerem. O atendimento territorial, porém, é a única forma de garantia da formação dos vínculos necessários à constituição de uma saúde mental adequada. Espaços de segregação como os manicômios apenas contribuem para a cronificação dos usuários e são por si só espaços que geram violência institucional, que atinge usuários e trabalhadores. Precisamos relembrar que entre 2006 e 2009 morria nos manicômios da região de Sorocaba uma pessoa a cada três dias e que as Comunidades Terapêuticas, defendidas por alguns para substituir o manicômio, são hoje as grandes violadoras de Direitos Humanos segundo dossiê do Conselho Regional de Psicologia (2011 e 2016).

Temos muitas críticas à forma como a desinstitucionalização vem sendo conduzida em Sorocaba, seja pela sua rede construída por pessoas declaradamente manicomiais, pela sua incapacidade de mudança de paradigma, pela terceirização dos serviços, pela reprodução das relações manicomiais e pela resposta ao sofrimento psíquico ainda centrada na medicação, sem alternativas de valorização da dinâmica psíquica. Contudo, entendemos que mesmo nessa RAPS deficiente os sobreviventes dos manicômios encontram brechas para levar sua vida, principalmente com apoio da comunidade. Se temos que refletir sobre esse triste acontecimento para trazer melhorias à Rede de Atenção Psicossocial, é, apontando suas deficiências, melhorá-la e não voltar a cometer os erros dos manicômios.

Concluindo, ensejamos que a morte de Antônio seja uma ocasião que contribua efetivamente para o aprimoramento da rede substitutiva de saúde mental local e conclamamos para que os atores sociais que pregam o retrocesso na reforma psiquiátrica por interesses corporativos, políticos e/ou econômicos respeitem a dor das famílias envolvidas e deixem de usar a tragédia ocorrida como instrumento de manipulação da opinião pública em defesas dos próprios interesses escusos.⁠⁠⁠⁠

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