O GTPI (Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual) divulgou na quarta-feira, 17 de agosto, uma nota de repúdio ao anúncio publicado pelo Sindusfarma (sindicato que representa as principais indústrias farmacêuticas do país) que acusa o Ministério da Saúde de descumprir as regras sanitárias nacionais e de “incentivar a pirataria”.
A polêmica gira em torno da compra de um medicamento para tratamento da Aids de um laboratório indiano, sem que o produto tenha aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A transação foi feita por meio da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), a partir de um fundo usado para compra de produtos não fabricados no país ou que precisam ser adquiridos de forma emergencial. O GTPI é formado por organizações da sociedade civil, pesquisadores e ativistas e busca alternativas para minimizar o impacto das patentes farmacêuticas no acesso aos medicamentos essenciais.
A seguir, a íntegra da nota do GTPI:
O Sindusfarma – Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo, em nota paga veiculada em jornais e repercutida pela imprensa em 17/08/2016, traz informações mentirosas e distorcidas, que necessitam de reparação:
1. É mentira que o Brasil, ao importar o medicamento genérico antirretroviral darunavir, da Índia, comete qualquer tipo de crime, pirataria ou atentado contra a indústria. Pelo contrário: garante a sustentabilidade das políticas de acesso a medicamentos e incentiva a produção local do darunavir, que está em domínio público.
2. A posição do Sindusfarma representa o interesse da sua afiliada Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda., que até o ano passado era fornecedora exclusiva do medicamento anti-HIV darunavir no Brasil. O preço cobrado pela empresa Janssen era absurdo e impraticável, ultrapassando três mil dólares por paciente/ano. Os gastos do governo brasileiro com a compra apenas deste medicamento foram de quase R$ 93 milhões em 2014. Isso equivale a mais de 11% do orçamento destinado à compra de todos os antirretrovirais no mesmo ano.
3. O Sidusfarma mente sobre a qualidade do medicamento genérico em questão. A empresa indiana Hetero, que foi selecionada como fornecedora pelos países do Mercosul, possui um produto que atende os padrões internacionais de qualidade1 e custa três vezes menos que o medicamento de marca da Janssen. Não há nenhum motivo para afirmar que trata-se de pirataria ou risco sanitário para o Brasil. Essa estratégia de confundir medicamentos genéricos com pirateados e atacar a qualidade de medicamentos genéricos é velha e absurda de qualquer ponto de vista: ético, legal ou sanitário.
4. Desde 2013, o GTPI – Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual, exige do Ministério da Saúde uma solução para os preços abusivos do darunavir. Foram inúmeras cartas, reuniões e debates, inclusive no Conselho Nacional de Saúde (CNS), em 2015 com a presença do Sindusfarma.
5. Diferente do que propala o Sindusfarma, o darunavir está em domínio público no Brasil , e não há nenhuma barreira patentária que impeça a compra de genéricos ou a produção de sua versão genérica no país. Não está em vigor nenhum dos 18 pedidos de patentes relacionados ao darunavir que a Janssen insistiu em apresentar no Brasil, tentando criar uma cortina para impedir a entrada de versões genéricas no mercado
6. Ao contrário do que alega o Sindusfarma, a opção de compra do genérico importado não afeta a indústria nacional, pois não há produção local de darunavir no Brasil. A multinacional Janssen, fornecedora exclusiva do medicamento, nunca teve interesse em gerar empregos ou transferir tecnologia para o país.
7. A nota faz uma confusão, convenientemente, entre fundo rotatório e fundo estratégico da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). O fundo rotatório serve para a compra emergencial de vacinas. Já o fundo estratégico lida com a compras regulares de medicamentos, já possui um rol de mais de 150 produtos em sua lista e tem como referência a lista de medicamentos essenciais da OMS. A compra conjunta de darunavir entre os países do Mercosul e está sendo operacionalizada via fundo estratégico da OPAS. Portanto, a insinuação de que o Brasil usou um mecanismo de emergência mesmo havendo o produto disponível no país é uma distorção da realidade.
8. O Brasil tomou a melhor decisão. O GTPI apoia a conclusão do processo de compra por parte do Brasil pelo valor negociado de R$4,053 por unidade em substituição ao valor de R$ 9,564 pago anteriormente, representando uma economia de quase R$ 46 milhões 5,6 . É inadmissível que o Brasil, como quer o Sindusfarma, pague preços de monopólio por um medicamento que está em domínio público.
9. O Sindusfarma comete um atentado contra o bom senso e a boa informação, além de aterrorizar milhares de pacientes que vivem com HIV ao impor obstáculo à sustentabilidade do programa brasileiro de aids. O Sindusfarma fere os princípios do SUS e da administração pública, e vai contra os interesses coletivos.
Assinam as organizações-membro do GTPI:
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA (coordenação)
Conectas Direitos Humanos
FENAFAR – Federação Nacional dos Farmacêuticos
Fórum de ONG AIDS de São Paulo
Fórum de ONG AIDS do Rio Grande do Sul
Fórum Maranhense de ONG AIDS
GESTOS – Soropositividade, Comunicação & Gênero
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Bahia – GAPA/BA
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – São Paulo – GAPA/SP
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Rio Grande do Sul – GAPA/RS
Grupo de Incentivo à Vida – GIV
Grupo Pela Vidda – São Paulo
Grupo Pela Vidda – Rio de Janeiro
Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB
IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Médicos Sem Fronteiras – Campanha de Acesso a Medicamentos/Brasil
Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo São Luís do Maranhão
Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo Piauí; Universidades Aliadas por Medicamentos
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva