A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) manifesta profunda preocupação com o congelamento de verbas anunciado pelo governo Trump, que afeta diretamente o Programa de Emergência do Presidente para Alívio da AIDS (PEPFAR). Esta decisão ameaça um dos maiores programas globais de apoio à prevenção e ao tratamento do HIV/AIDS, com impacto na assistência de milhões de pessoas em mais de 55 países.
O PEPFAR é fundamental para o alcance das metas globais de enfrentamento a epidemia de HIV/aids 95-95-95 do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e AIDS (UNAIDS), que visam diagnosticar 95% das pessoas vivendo com HIV/AIDS, tratar 95% delas e alcançar supressão viral em 95% dos casos. Sua suspensão compromete esforços regionais, afetando desproporcionalmente homens que fazem sexo com homens (HSH), mulheres trans e outras populações vulnerabilizadas. No Brasil, estima-se que um milhão de pessoas vivam com HIV/AIDS, ainda com lacunas no diagnóstico, tratamento e supressão viral. O estigma, a discriminação e barreiras de acesso seguem limitando a resposta à epidemia.
A decisão do governo Trump, somada à saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), representa um retrocesso alarmante na cooperação internacional em saúde. O enfraquecimento das políticas globais ameaça a capacidade coletiva de conter epidemias e pandemias, intensifica desigualdades sanitárias e agrava a vulnerabilidade da população LGBTI+ e suas interseccionalidades com raça, etnias, classe social, gênero e origem geográfica.
Além disso, o congelamento de verbas afeta a resposta global ao HIV/AIDS e ocorre em um contexto de desafios crescentes na governança supranacional da epidemia. A meta global de acabar com a epidemia de HIV/AIDS até 2030, compromisso assumido pela comunidade internacional, enfrenta riscos diante da redução de financiamento e do avanço de políticas regressivas. O enfraquecimento da resposta multilateral pode comprometer a estrutura de enfrentamento ao HIV/AIDS, afetando milhões de pessoas que dependem dessas políticas.
A crise do financiamento ocorre em um cenário de crescente impacto das mudanças climáticas na saúde. Eventos extremos, deslocamentos forçados e insegurança alimentar dificultam o acesso a serviços essenciais, incluindo testagem, tratamento e prevenção do HIV/AIDS. O impacto da crise climática sobre populações vulnerabilizadas exige respostas integradas que reconheçam essa interseccionalidade.
Além do HIV/AIDS, a suspensão do PEPFAR também compromete a resposta a outras epidemias, como sífilis, hepatites virais e mpox, que afetam desproporcionalmente as populações-chave e prioritárias. A precarização das redes de prevenção e tratamento pode levar a um retrocesso severo, sobrecarregando sistemas de saúde já fragilizados.
Diante desse cenário, a Abrasco reforça a necessidade de ação imediata e propõe que:
- Sejam fortalecidas as redes de monitoramento comunitário, com a participação ativa das organizações do movimento social de AIDS, avaliando e mitigando os impactos do desfinanciamento, sobretudo em municípios brasileiros com projetos financiados pelo PEPFAR;
- Sejam promovidas políticas públicas livres de discriminação e baseadas em equidade, direitos humanos e justiça climática, garantindo que as populações mais afetadas tenham acesso adequado à saúde;
- Seja assegurado o financiamento contínuo para testagem, prevenção e tratamento, expandindo novas tecnologias como autotestes e PrEP, além de pesquisas científicas de vacinas e fármacos;
- Sejam ampliadas a vigilância e as estratégias para o enfrentamento tanto das práticas quanto dos discursos negacionista, anti-ciência, moralista e patologizante sobre HIV/AIDS, que produzem notícias falsas ou equivocadas, além de situações de estigma, discriminação, pânico e violências;
- Sejam ampliados o debate e a defesa dos sistemas universais de saúde, a exemplo do SUS, e de organismos globais como a OMS e a UNAIDS, cujos papeis no enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS ao longo das últimas décadas têm demonstrado relevância e êxito.
Reiteramos que o combate à epidemia de HIV/AIDS não pode ser comprometido por agendas políticas regressivas num contexto mundial de ascensão da extrema direita. A saúde global depende de ações coordenadas que priorizem vidas, equidade e justiça social.