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“O ministro da Saúde não entende de saúde pública ou de vacinas”, diz ex-diretor do Butantan

Vilma Reis com informações da Folha de SP

Isaías Raw. Foto de R. Capote/Folhapressdeng

Os jornalistas Fernando Moraes e Gabriel Alves do jornal Folha de São Paulo, entrevistaram o pesquisador Isaías Raw que, aos 90 anos, mantém a mesma inquietude dos tempos de estudante de medicina da USP. “Sempre me meti com aquilo que não era a minha obrigação profissional”, disse à Folha em seu gabinete no Instituto Butantan, em São Paulo, onde, embora aposentado, passa boa parte de seus dias.

Raw falou sobre sua crítica à vacina da Sanofi contra a dengue: – “A Sanofi embarcou na vacina errada. Primeiro porque não protege contra os quatro tipos e agora chegou-se a conclusão de que a vacina é um perigo para quem nunca teve dengue. Curiosamente, houve apenas um comprador para a vacina, o Estado do Paraná. O que ele vai fazer com essa vacina agora? Qual é a relação do governador do Estado do Paraná e o ministro da Saúde? O ministro é um político, ele não entende de saúde pública ou de vacinas”, disse o pesquisador.

Confira trechos da entrevista onde Raw fala de sua trajetória dentro e fora do laboratório, dos desafios que encontrou no Instituto Butantan e de sua luta para desenvolver uma indústria nacional de vacinas.

Folha – O sr. sempre se aventurou fora do laboratório. Pode contar um pouco dessa trajetória?
Isaías Raw – Sempre me meti com aquilo que não era a minha obrigação profissional. Quando entrei na universidade percebi a necessidade de mudar o ensino de ciência. Aula no quadro negro não serve para ensinar ciência. O que um aluno precisa é aprender a ler, estudar e entender o conteúdo dos livros e dos artigos.

Nas décadas de 1950 e 1960, os professores não se comunicavam. Um não sabia o que o outro dava no seu curso. Muitas vezes eram dados conteúdos contraditórios. Se você não ensina a observar e tirar conclusões, você nunca vai formar cientistas. Por isso, criei o curso experimental de medicina na USP, onde acabamos com a ideia de que existem uma série de compartimentos comandados cada um por um professor, tudo era ensinado junto.

Também ajudei a unificar os exames vestibulares de São Paulo, mas logo isso foi liquidado, pois ia contra os interesses dos donos das faculdades. Criei ainda os minikits de química, eletricidade e biologia que tiveram um impacto importante na vida de muitas pessoas que vieram a se dedicar à ciência, mas ele morreu também. Mesmo destino, aliás, do curso experimental de medicina.

O fato de essas iniciativas não terem vingado entristece o sr.?
Estou acostumado com a ideia de que as coisas começam e acabam. O problema é que eu fui durando. Eu assisti o fim de todas essas coisas. As ideias chegam ao fim, mas têm um impacto. Alguma coisa sempre fica.

Como o senhor chegou ao Instituto Butantan?
Tinha voltado para o Brasil [após um período no EUA e em Israel], estava aposentado da USP [pelo AI-5] e surgiu a oportunidade, no começo dos anos 1980, de ir para o Butantan, que estava contratando alguns pesquisadores.

Como foi lá?
O instituto estava decadente e a produção de soro estava em crise. Inventei então um sistema para a produção de soro em que tudo iria acontecer dentro de um sistema fechado. O sucesso dessa fábrica de soro foi tão grande que me escolheram como diretor do Butantan [1991-1997].

Aos 70, tive de deixar a direção e tornei-me presidente da Fundação Butantan [1998-2009]. Essa fundação era importante porque a burocracia pública era impressionante. Qualquer licitação demorava um, dois anos, mas as crianças com doenças infecciosas simplesmente não podem esperar tanto tempo. Com a fundação, eliminamos a burocracia. O Butantan deslanchou e passamos a produzir 80% das vacinas que o Brasil utiliza, ao passo que os outros institutos compram e engarrafam.

Isso é o que o senhor chama de esquema Coca-Cola, certo?
Exatamente. A Coca-Cola não conta qual o conteúdo do xarope. Ela o vende para firmas que diluam, engarrafam e vendem. Foi o que aconteceu com muitos institutos no Brasil, em particular com Biomanguinhos [unidade da Fiocruz].

Eu quis fazer diferente e desafiei o cartel das quatro grandes empresas que dominam o mercado de vacinas do mundo. O Butantan passou a ter um prestígio internacional muito grande, pois não havia nenhum produtor de vacinas na América Latina, como continua não havendo. Por isso foi considerado pela indústria um mau exemplo. Afinal, se os outros países em desenvolvimento embarcassem no mesmo esforço, a indústria não teria para quem vender.

O senhor já criticou a vacina da Sanofi contra a dengue. Mantém essa posição?
Sem dúvida. A Sanofi embarcou na vacina errada. Primeiro porque não protege contra os quatro tipos e agora chegou-se a conclusão de que a vacina é um perigo para quem nunca teve dengue. Curiosamente, houve apenas um comprador para a vacina, o Estado do Paraná. O que ele vai fazer com essa vacina agora? Qual é a relação do governador do Estado do Paraná e o ministro da Saúde? O ministro é um político, ele não entende de saúde pública ou de vacinas.

Como o sr. mantém o vigor intelectual aos 90 anos?
O importante é se manter alerta. Leio semanalmente “Science”, “Nature” e outras revistas científicas.

O sr. tem algum hobby?
Não, nunca tive. Meu hobby é isso aqui, por isso eu preciso defender o Butantan.

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