Duas publicações na semana que finda jogaram luz num dos temas mais centrais em debate atualmente pelas revistas científicas: as plataformas e as políticas de conhecimento aberto, também conhecidas como open source ou open access. Em 16 de setembro, Paulo Guanaes, editor-executivo da revista “Trabalho, educação e saúde”, e Hooman Momen, editor científico da revista “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz” escreveram o artigo Para que todos tomem ciência, publicado na seção Opinião, do jornal carioca O Globo.
Os pesquisadores apresentam o contexto histórico do debate, surgido como resposta ao aumento das assinaturas das publicações controladas pela principais editoras internacionais, momento que ficou conhecido como “a crise dos periódicos”, no final da década de 1980, início de 1990. Apostar na abertura do acesso do conhecimento significou, para eles, a quebra da lógica da apropriação de valor que um pequeno grupo de empresas internacionais estabeleceu sobre o conhecimento científico de todo o planeta, propiciando modelos de publicação a baixo custo e de ampla circulação.
No entanto, Guanaes e Momen destacam que o crescimento tanto das publicações que garantem acesso direto à produção como o surgimento de portais regionais dedicados a compilar esses periódicos acarretou tensões. “Trata-se de um mercado concentrado, no qual apenas três grupos editoriais — Reed Elsevier, Springer e Wiley — detêm mais de 40% das revistas científicas publicadas. Até há bem pouco tempo, eles tinham pouco interesse na publicação científica do Brasil. Esta atitude mudou, e a maioria já abriu um escritório em nosso país ou comprou uma editora nacional. Um dos obstáculos a essa expansão de editoras comerciais internacionais no mercado editorial brasileiro é o SciELO, inovador portal de revistas científicas brasileiras, pioneiro no uso do acesso aberto no Brasil e um dos responsáveis pelo aumento da visibilidade da nossa produção científica em nível nacional e internacional.”
Ao final, reforçam a importância da de abolir as fronteiras e pedágios do conhecimento: “Hoje, o engajamento da comunidade científica e de governos, que editam leis em prol do acesso aberto, ocorre em todo o mundo. No Brasil, iniciativas como as da Fiocruz [com o repositório ARCA e o seu próprio Portal de Periódicos] e do SciELO precisam do apoio das agências públicas de fomento à pesquisa, criando políticas para publicação em acesso aberto de artigos oriundos de pesquisa financiada com seus recursos.” Confira aqui o artigo completo.
Valorização da produção regional: O Portal de Periódicos da Fiocruz trouxe na mesma semana (dia 15) a entrevista com Dominique Babini, coordenadora do Programa de Acesso Aberto do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), que falou sobre os avanços internacionais das plataformas de conhecimento aberto e, em especial, as que organizam a produção latino-americana, como SciELO e o Sistema Nacional de Repositórios Digitais da Argentina.
Para ela, além de promover meios gratuitos para a aquisição e apreensão do conhecimento, portais/indexadores regionais oferecem, pela primeira vez, visibilidade e acesso aos resultados da produção científica da região, historicamente como pouquíssima representatividade nos indexadores internacionais tradicionais. “Esses e outros portais/indexadores fazem parte de um sistema global, sem fins comerciais. E mais: estão visíveis e acessíveis a partir da biblioteca mais usado no mundo (a web) e do catálogo da biblioteca mais movimentado do mundo (Google). Assim, cumprem o papel de permitir que se conheça o que é publicado na nossa região e também contribuir para os indicadores de avaliação do uso e impacto da pesquisa publicada”.
Atualmente, o Brasil é líder regional tanto na produção de conhecimento como na disponibilidade de acesso aberto de artigos científicos e teses, e a América Latina a principal região em número de veículos open access. No cenário internacional geral, somos o segundo país em publicações abertas, atrás somente dos Estados Unidos. Para Dominique, a adesão de periódicos ao acesso aberto e a criação de novos títulos já inseridos neste contexto têm mudado a lógica editorial, fazendo o custo de publicação em acesso aberto ser parte do custo da pesquisa.
Tanto Dominique quanto os pesquisadores autores do artigo em O Globo citaram e criticaram a postura do bibliotecário Jeffrey Beall, que em um artigo recentemente publicado referiu-se ao portal SciELO como “a favela das publicações”, enquanto os portais comerciais seriam “bairros agradáveis”. O Fórum de Editores das Revistas de Saúde Coletiva da Abrasco aprovou moção de repúdio ao atque classista de Beall no Abrascão 2015, o que mobilizou diversos editores e publicações de outras áreas do conhecimento a criticar a postura do americano, renovando o apoio generalizado ao acesso aberto nessa região, segundo o artigo de Guanaes e Momen.
Para a argentina, a crítica de Beall e outras no mesmo sentido revelam uma visão perturbadora de certos setores a respeito de modelos de negócios não comerciais de comunicação científica que contribuem para a discussão internacional da ciência de uma forma mais participativa e representativa das diversas realidades geográficas. A entrevista de Dominique Babini foi realizada por Juliana Reis, editora executiva da Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, e por Roberta Cardoso, editora executiva da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Leia na íntegra.