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 NOTÍCIAS 

Os doze trabalhos de Hernan

Carlos Medicis Morel *

Por conta da posse de Hernan Chaimovich da presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), realizado em 23 de fevereiro (leia a matéria aqui), o abrasquiano Carlos Medicis Morel publicou no Jornal da Ciência , órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)o artigo abaixo, agora reproduzido no Portal Abrasco. Confira.

“Entre os heróis da mitologia grega destaca-se Hércules, herói nacional cultuado em toda a Grécia. Tornou-se famoso por ter realizado doze trabalhos, em benefício dos gregos. Pensei em usar esta abordagem para, data vênia, propor a Hernan Chaimovich, novo presidente do CNPq, outras doze tarefas em benefício dos brasileiros, principalmente da sofrida comunidade que insiste em pelejar nas mais diversas áreas da ciência e tecnologia nacionais. Minha lista:

1º trabalho: matar o leão de Nemeia. Seguramente o novo presidente do CNPq terá de matar muitos leões por dia, e não apenas um. E serão leões famintos, sedentos de sangue. Mas, para seguir a mitologia, vamos escolher só um leão: aquele do imposto de renda, que reina absoluto nas alfândegas do país, atrasando ou mesmo impedindo a liberação de todo e qualquer material importado para a pesquisa científica. E, vez por outra, engolindo um pesquisador ou pesquisadora que se atreveu a ir até lá, buscar seu reagente importado.

2º trabalho: matar a Hidra de Lerna. A Hidra, uma serpente com sete cabeças venenosas, se parece muito com a burocracia nacional, omnipresente e com cabeças em quase todo lugar. Acho que seria exagerado pedir a um simples presidente do CNPq que acabasse com a burocracia nacional. Reduzo um pouco esta exigência. Hércules – ops, Hernan! – faça com que os formulários que temos de preencher para submeter projetos e fazer relatórios sejam mais simples!

3º trabalho: capturar o javali de Erimanto. Esse javali aterrorizava a vizinhança do monte Erimanto e Hércules teve de capturá-lo vivo. Na mitologia brasileira alguns da comunidade científica ainda se aterrorizam não com o javali do Erimanto, mas com o “espírito animal” industrial. Senta que esse leão é manso! Com uma boa conversa vocês farão uma parceria do tipo ganha-ganha, e quem mais ganhará será o Brasil.

4º trabalho: capturar a corsa de Cerineia. Essa é tarefa fácil, pois você é tão rápido quanto ela, desconfio mesmo que são amigos! Leve-a junto, quando precisar de ajuda da comunidade brasileira para o progresso da ciência.

5º trabalho: expulsar as aves do lago Estinfale. Vamos abrir uma exceção e deixar em paz as aves do Lago Paranoá, para que o presidente do CNPq possa apreciá-las ao final da tarde e relaxar um pouco dos dias duros de trabalho que terá pela frente.

6º trabalho: limpar os estábulos do rei Augias. Limpar estábulos, enfrentar aquele cheiro, meter a mão nos detritos, jogar um detergente purificador em toda a sujeira que vem sendo desnudada exigirá coragem. Mas atenção! Não escolha qual estábulo limpar, não caia na conversa que só os do rei Augias precisam de sua ação, que os demais estão limpinhos e cheirosos desde sempre. Limpar tudo é tarefa para muitos Hércules e Hernans. Apesar de você ser só um, engaje-se neste trabalho hercúleo. E novamente atenção: faça a limpeza, mas não destrua os estábulos! Se desaparecerem com a limpeza, sofreremos todos, em particular os trabalhadores que ficarão sem emprego; se ficarem semi destruídos com uma limpeza mal feita, serão presa fácil de criaturas mitológicas estrangeiras.

7º trabalho: capturar o touro selvagem de Minos. Na nossa mitologia trata-se de um touro de tenacidade, de cabeça dura, não tão selvagem, e não de Minos ou de Minas, mas da terra das Alagoas. Rebela-se muitas vezes, dizem que persegue estrangeirismos preferindo sempre o idioma nacional, mas vá por mim: será um grande parceiro seu, com muita experiência em brigas hercúleas.

8º trabalho: capturar os cavalos devoradores de homens do rei Diomedes. Os cavalos devoradores da mitologia grega se transformaram em comitês assessores que não mais devoram homens e mulheres, contentam-se em tentar domesticá-los usando métodos e métricas próprias, muitas vezes mitológicas, sem contato com a realidade. Fale com o rei Diomedes, mostre que sua coroa é mais poderosa que a dele, e convença os cavalos devoradores a se civilizarem e adotarem as novas regras que você publicará.

9º trabalho: obter o cinto de Hipólita, rainha das Amazonas. Melhor passar adiante… Pedir uma audiência a Hipólita já é complicado, imagine pedir o cinto! Vamos proteger o presidente do CNPq e pedir só onze trabalhos. Já está de bom tamanho.

10º trabalho: ir buscar o gado do monstro Gerião. Talvez uma das tarefas mais difíceis das doze! Arrancar recursos do Levyatã, criatura mitológica de grandes proporções, um dos príncipes infernais, que tem a chave de todos os cofres, sempre diz que estão mais vazios que a Cantareira e que não poderá ceder nem o volume morto. Será portanto outro trabalho hercúleo. Mas quem sabe AldoB possa lhe ajudar a dobrar o Levyatã?

11º trabalho: levar as maçãs de ouro do jardim das Hespérides para Euristeu. As maçãs de ouro de hoje em dia são as inovações. O CNPq tem dado pouca prioridade às mesmas, pois acha que a pesquisa acadêmica já forma a rede que irá capturá-las. Ledo engano, as maçãs de ouro não são fáceis de obter, não são “low-hanging fruits”, frutas ao alcance da mão. Estão no alto das mais altas palmeiras e só uma nova estratégia, que aproveite ao máximo o que a Lei de Inovação e a Lei do Bem aprovaram, e que saiba reconhecer não só a importância essencial da pesquisa básica, mas de toda a cadeia de desenvolvimento tecnológico, é que conseguirá a mudança cultural que aproximará a academia do setor produtivo e permitirá colher essas maçãs douradas.

12º e último trabalho: capturar Cérbero, o cão de três cabeças que guardava os infernos, e mostrá-lo a Euristeu. Capturar Cérbero foi a tarefa mais difícil, pois Hércules teve de descer aos infernos, enfrentar e vencer o fogo e o monstro, e subir de volta à Terra trazendo seu cãozinho já domesticado. Você terá que descer aos infernos nos primeiros meses do seu mandato, e lutar contra este cão de três cabeças – burocracia, falta de recursos; ciência e tecnologia descolada das necessidades do país e da nossa/sua região: a América do Sul. Mas encontrará aliados que já conhecem e irão com você aos infernos, lhe ajudarão a vencer Cérbero, e tornar uma bela realidade o sonho mitológico de um pujante desenvolvimento econômico e social.

Boa sorte!”

* Carlos Medicis Morel é membro titular da Academia Brasileira de Ciências, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Diretor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz. Artigo originalmente publicado no Jornal da Ciência em 23 de fevereiro de 2015 – Confira a publicação original.

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