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Pandemia tem cor, renda e gênero – artigo de Lucélia Luiz Pereira

Este artigo é uma produção do GT Racismo/Abrasco com apoio institucional do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil (UNFPA).

As desigualdades sociais e raciais do Brasil estão assentadas numa matriz de opressão interseccional colonial, patriarcal e classista. Com mais de 162 mil mortes decorrentes da pandemia da Covid-19, o país enfrenta uma crise sanitária, política e econômica que incide com maior força na população preta, pobre e de mulheres. A formulação e a implementação de políticas públicas de enfrentamento das desigualdades, particularmente num contexto pandêmico, exigem que se considerem os marcadores sociais de diferença de raça, classe e gênero.

A intensificação e expansão da pobreza e das desigualdades provocadas pela Covid-19 requer uma presença maior do Estado na execução de políticas públicas que assegurem proteção social às pessoas em maior vulnerabilidade. Segundo dados do Banco Mundial, como consequência da pandemia, o número de pessoas que compõem a faixa da pobreza no país pode ampliar de 8,4 a 11 milhões até o fim de 2020, o que equivaleria a 33% da população vivendo com menos da metade do salário mínimo por mês. Esses números têm cor, sexo e localidade. Em 2019, de acordo com o IBGE, 75% de pessoas extremamente pobres eram pretas ou pardas.

Para uma resposta a esse agravamento, é necessária a centralidade das políticas de saúde e de assistência social, com base nos Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS). No entanto, a proteção social prevista na Constituição encontra-se em risco ao considerarmos os retrocessos vividos com o acirramento do conservadorismo e a intensificação do projeto neoliberal e colonial de redução do Estado. Reformas de cunho regressivo como a Emenda Constitucional 95, o desinvestimento nas políticas sociais, a flexibilização da legislação trabalhista e a contrarreforma previdenciária completam esse cenário de ameaças a direitos historicamente conquistados e escancaram o caráter racista, misógino e classista do governo federal. 

É crucial que o SUS seja entendido como um sistema prioritário. O Estado deve viabilizar aporte de recursos suficientes para garantir acesso universal aos serviços de atenção à saúde. Uma estratégia importante seria priorizar a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. A Política de Assistência Social, com a implementação do SUAS, precisa ampliar serviços e benefícios socioassistenciais para assegurar proteção, renda e segurança alimentar.

A adoção de políticas públicas de garantia de renda é uma obrigação constitucional. O governo federal adotou o auxílio emergencial, estabelecido pela Lei nº 13.982/2020, no intento de atenuar impactos socioeconômicos devido às medidas de isolamento para contenção da pandemia. Contudo, além do valor reduzido, os critérios estabelecidos têm se constituído verdadeiros obstáculos para o acesso das populações mais vulneráveis.  

O SUS e SUAS devem ser fortalecidos garantindo dotação orçamentária para ampliação do valor e prazo de concessão do auxílio emergencial e expansão dos créditos adicionais ao SUS para promover proteção social e enfrentar as consequências da Covid-19 no cenário pós-pandemia.

Lucélia Luiz Pereira é professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Grupo Temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)

Artigo publicado na seção Opinião no site do jornal O Globo, em 20 de novembro de 2020 – clique e acesse a publicação original

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