Realizada pelo Ibope a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), uma recente pesquisa aponta a saúde como o maior problema nacional e também como a principal prioridade para o governo federal em 2014. Foram realizadas 15.414 entrevistas entre os dias 23 de novembro e 2 de dezembro do ano passado, sendo 2.002 delas feitas para amostra nacional e 13.412 focadas nas questões estaduais e municipais. Ao todo, foram ouvidos proporcionalmente brasileiros de 727 municípios distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. Cada entrevistado pôde citar até três temas num total de 22 opções apresentadas pela pesquisa. Os resultados foram divulgados em fevereiro.
Em um cenário nacional marcado pelas dificuldades de acesso aos serviços públicos e de forte pressão midiática sobre o setor, o resultado não espanta os pesquisadores entrevistados pela Abrasco. Para Oswaldo Tanaka, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e coordenador da Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da associação, esse destaque acontece pelo fato de a saúde ser a principal política pública de inclusão do país. “Para a nossa população, a saúde foi incorporada por todos como direito universal. A noção de direito do cidadão faz e fará com que esse seja um problema a ser apontado como prioridade hoje e nos próximos anos, pois todos os outros direitos não são considerados para todos da mesma forma”.
Outro dado da pesquisa que demonstra a primazia dessa percepção está no fato do tema ter obtido as maiores citações em todas as unidades da federação e em todos os recortes utilizados (renda salarial familiar; grau de escolaridade; tamanho e característica (capital, periferia ou rural) do município do entrevistado. A margem de erro varia de 2 a 4 pontos percentuais, dependendo da região. Independentemente das variações serem pequenas, Tanaka observa que é possível apreender informações com esses números, como a discrepância do “problema saúde” entre as regiões geográficas nacionais. Enquanto a região Sul apresenta o menor índice, com 48% das citações, o Centro-Oeste atinge a marca de 66%. “Provavelmente esse resultado é devido às condições socioeconômicas do Centro-Oeste, mas é também onde há a menor oferta de tecnologia, principalmente de media e alta complexidades”.
Para o professor, é importante não esquecer o atual desenvolvimento da atenção básica para compreender essas percepções. “Cabe lembrar que a atenção básica tem sido um dos princípios mais bem sucedidos no SUS, e que de forma contraditória leva à pressão pelos serviços complementares que decorrem do aumento da cobertura”. Essa visão, explica Tanaka, pode ser uma ferramenta para entender as diferenças na percepção do problema da saúde em relação aos entes federativos. A preocupação com os serviços alcança maior índice na esfera federal e menor na esfera municipal. “Para mim, isto decorre do fato de, aparentemente, o município dar conta da atenção básica, mas que depende do compromisso do nível estadual e, principalmente, do financiamento federal para os serviços de média e alta complexidade”.
Pessoas ao invés de dados
Os resultados também não surpreendem Tatiana Gerhardt, professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e coordenadora da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco. No entanto, ela diz que é necessário jogar luz nos indivíduos para além de números, percentuais e estatísticas. “Ainda que tenhamos conquistado um avanço expressivo em muitos dos indicadores sociais e de saúde no cenário atual, precisamos qualificar o debate e enfrentar os desafios colocados na atenção à saúde, na gestão e planejamento, no financiamento do sistema e na participação com a garantia dos direitos da população”.
Para a professora, a pesquisa da CNI descreve a extensão e magnitude dos problemas, mas não fala de seus significados e de sua intensidade. “O desafio estaria em associar evidências ‘“sociais’, ‘subjetivas’ e ‘biológicas’ quando se fala em cuidado e em prestação de serviços e as interpretações e combinações que o indivíduo faz de acordo com suas próprias percepções, seus objetivos e sua capacidade em formular um projeto de vida. É neste contexto dinâmico que se opera a hierarquização de problemas”.
A tirar pelas citações de tantos outros temas que também compõem o universo da saúde na pesquisa, como drogas, saneamento básico e meio ambiente entre outros, a saúde precisa ser entendida nem como problema, nem apenas como prioridade, mas sim como uma construção humana constante e coletiva. Acesse aqui a íntegra da pesquisa.