Em tempos que até a Walt Disney está projetando nas salas das casas de famílias americanas, o primeiro beijo (oficialmente gay) da animação para pais e crianças, a Câmara dos Deputados, no Brasil, recebe novamente o Projeto de Lei 4931/2016 que acaba com a punição do profissional de saúde mental que tratar o paciente com “transtorno de orientação sexual”. De um lado, cena de beijo entre casais formados por homens (e por mulheres) em episódio da série ‘Star vs. as Forças do Mal’, do Disney Channel (um avanço sem precedentes); do outro, a badalada PL da “Cura gay”, que movimentou muita discussão da primeira vez, liderada pelo deputado do PSC-SP, Marco Feliciano, e que agora volta reescrita pelo deputado do PTN-RJ, Ezequiel Teixeira (um retrocesso).
Pelo projeto, fica facultado ao profissional de saúde mental aplicar terapias e tratamentos ao paciente diagnosticado com “transtorno psicológico da orientação sexual egodistônica, transtorno da maturação sexual, transtorno do relacionamento sexual e transtorno do desenvolvimento sexual”. Segundo o texto do projeto, a atuação visa “auxiliar mudança da orientação sexual, deixando o paciente de ser homossexual para ser heterossexual, desde que corresponda ao seu desejo”. Segundo Ezequiel Teixeira, também advogado, a proposta é para trazer segurança jurídica nos “tratamentos” oferecidos.
Aos 24 anos, já pastor evangélico, o deputado Ezequiel Teixeira formou-se em Ciências Jurídicas no ano de 1979. Em 1989, fundou a Associação Missionária Vida Nova, com o primeiro templo localizado em Irajá, bairro da Zona Norte do Rio. Em 2016, foi demitido da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, Governo Pezão, por se envolver na polêmica da “Cura Gay”.
De acordo com Jorge Lyra, membro do GT Saúde e Gênero, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), essa é mais uma ação para desarticular a força política LGBT do Brasil, que vem ganhando espaço e importância; principalmente porque nos últimos anos, a volta da união nefasta entre a religião e a política, tomando corpo em personagens políticos, tem ganhado representação significativa no cenário político brasileiro. Psicólogo, por formação, Jorge explica que desde 1999, o Conselho Federal de Psicologia proíbe que psicólogos colaborem com tratamentos que proponham a cura da homossexualidade, exatamente porque tal condição não constitui doença, distúrbio ou perversão.
Daniela Knauth, uma das coordenadoras do GT Saúde e Gênero da Abrasco, disse que o Conselho Federal de Medicina também deixou claro há décadas que a orientação sexual não é uma condição patológica. “Também desde a década de 1990, a Organização Mundial de Saúde descartou qualquer possibilidade de que a homossexualidade esteja relacionada a alguma doença. A orientação sexual chegou a ser incluída na classificação de doenças internacional com o nome de homossexualismo, mas foi retirada e o termo, que era vinculado à ideia de enfermidade, foi abolido”, explica.
Na prática clínica, Jorge Lyra acredita que se o PL 4931/2016 for votado e aprovado, deve gerar uma grande confusão e talvez interferir negativamente na camada social desorientada, fomentando ainda mais desajustes sociais. Daniela afirma, também nessa mesma linha, mas acreditando que a sua interferência na prática clínica seja praticamente nula, que os impactos sociais de um projeto de lei como este é enorme. “Sabemos que as normativas dos conselhos federais não têm valor legal, por isso, se alterados não podem ser considerados nocivos. Por outro lado, socialmente falando, isso pode favorecer ainda mais o pensamento equivocado sobre a homossexualidade”, disse.
Para Jorge Lyra, há sim pessoas com problemas psicológicos, “mas devido à homofobia, à agressão verbal e física, todos oriundos da forma como se lida com a diversidade de expressões da sexualidade, a intolerância que ainda temos em nossa Sociedade”. O professor da UFPE e um dos fundados do Instituto Papai, disse que o projeto “é um grande absurdo”. Com experiência de ensino, pesquisa e extensão na área de Psicologia Social e Saúde Pública atuando principalmente nos temas “feminismos, teorias de gênero, homens e masculinidades, paternidades, juventudes, saúde, direitos sexuais e direitos reprodutivos, análise de políticas e movimentos sociais”, Lyra acredita que há todo um contexto se formando para consolidar o atual governo golpista do Brasil, de exclusão e mais desigualdades sociais.