Aclamada como nova presidente do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – Cebes – em seu quinto e último simpósio nacional, realizado no fim de novembro, Lúcia Souto e a nova diretoria da entidade foram oficialmente empossados na manhã de 31 de janeiro. A atividade aconteceu no Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (CEE-Fiocruz) e foi celebrada juntamente com uma reunião entre lideranças do movimento sanitário e médico do Rio de Janeiro com parlamentares ligados à Frente Brasil Popular.
Coube a Cornelis van Stralen, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH/UFMG) e presidente da entidade, abrir a sessão e passar o bastão a Lúcia para liderar a entidade no biênio 2018-2019. Numa fala contundente, ele desejou ucesso à nova presidente; reafirmou sua participação no corpo da nova diretoria e reforçou a necessidade de o Cebes reforçar seu caráter político-organizativo e a tradição de dialogar sobre saúde com a população. Para ele, essa perspectiva só ganhará força se o Cebes voltar a apostar no fortalecimento dos núcleos regionais, com uma doação militante de conhecimento e acolhimento.
“Não há como cobrar de pessoas submetidas a jornadas e condições de trabalho tão extenuantes uma visão mais clara da conjuntura. Cabe a nós sujar os sapatos na poeira dos bairros e periferias e construir essas pontes. Há uma militância disposta a sair da academia e abrir esse canal de comunicação”, frisou van Stralen, ressaltando, contudo, que essa tarefa é maior do que o Cebes e o movimento da Reforma Sanitária brasileira. “É uma tarefa muito grande, que não pode nem deve feita sozinha pelo Cebes. Se dermos as mãos uns aos outros, teremos mais força”.
Espírito de 88: A nova presidente iniciou seu discurso com um caloroso abraço a todos os presentes, destacando os eixos da soberania, da democracia e dos direitos sociais como nortes centrais da gestão que inicia. Ressaltou também seu orgulho frente à tradição do Cebes e seu papel decisivo para a construção do SUS. “A luta pelo direito à saúde não foi trivial. A última plenária da 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ªCNS) durou mais de 24 horas. Mas todos que estávamos lá sabíamos da responsabilidade e do peso histórico. Havia no ar um espírito de felicidade pública, como disse Hannah Arendt. É a construção da história e de uma outra realidade que mobiliza e faz as pessoas se engajarem”, rememorou Lúcia.
Médica sanitarista e doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), Lúcia milita em prol da sociedade desde os tempos da graduação em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na década de 1970. Formada, juntou-se aos movimentos populares da saúde e elegeu-se deputada estadual por duas legislaturas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Atualmente, Lúcia é pesquisadora associada do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da ENSP/Fiocruz.
No ano em que o SUS celebra seus primeiros 30 anos, Lúcia acredita que a sociedade brasileira vive um novo momento de encruzilhada semelhante ao que viveu a Europa no final da 2ª Guerra Mundial que o cineasta Ken Loach sintetizou no documentário O Espírito de 45. “Ninguém aqui está desmoronado. Estamos dispostos e entendemos o atual momento como um ponto crucial na disputa de projetos em nossa sociedade. A luta pelos direitos sociais, em especial pelo direito à saúde, é uma marca exemplar do nosso povo. Precisamos acender em nós o espírito de 1988 e fazer do SUS a marca desse espírito e o bem público e comum que defendemos e seguiremos defendendo de maneira intransigente”.
Nísia Trindade, presidente da Fiocruz, saudou Lúcia e, numa quebra de protocolo, expôs sua visão particular sobre o atual cenário político nacional, reafirmando que o momento é de ânimo e de disposição para os enfrentamentos postos no debate social. “Precisamos aprofundar nosso olhar e intervenção sobre os aspectos subjetivos da sociedade brasileira, que vem mudando rapidamente. Percebo um medo e uma raiva muito fortes nas camadas médias de nosso país, ao mesmo tempo que movimentos e segmentos irrompem a cena política, trazendo novos elementos a nossa sociedade, ainda que historicamente marcada por uma elite excludente”.
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A presidente ressaltou o papel da Fundação como um órgão de Estado que tem independência para fazer cumprir sua missão de produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do SUS. Nísia convidou todos e todas a comparecerem ao 12º Congresso brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2018 – que será sediado no campus Manguinhos entre 26 e 29 de julho. “Antes, na semana do aniversário da Fundação [de 28 de maio a 01º de junho], faremos um importante evento preparativo do Abrascão, no qual reafirmaremos que não existe democracia sem direito social. O SUS é a marca dessa conquista da Constituição Cidadã de 88 e é em torno dele que construiremos nossos conhecimentos, anseios e ações”.
Representando Gastão Wagner, o presidente da Abrasco, Guilherme Franco Netto, membro da diretoria da Abrasco e coordenador da Comissão Organizadora Local do Abrascão 2018, saudou a nova diretoria, e ressaltou a fala de Nísia, apontando a luta pelo direito à saúde como mola orientadora da Saúde Coletiva e do temário do Abrascão. “Por seus congressos, simpósios, revistas e atividades, a Abrasco tenta pautar e influenciar o debate social, expondo a visão do campo Saúde Coletiva em diferentes frentes, da alimentação e nutrição aos agrotóxicos, passando pela saúde suplementar e o financiamento do Estado ao setor saúde. Com o Abrascão queremos reafirmar essa tradição, contando sempre com a solidariedade e a parceria do Cebes, uma entidade irmã e diretamente vinculada às lutas da saúde em nosso país”, completou Franco Netto, fazendo coro também a uma mensagem em vídeo de Ronald dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que parabenizou Lúcia Souto e convidou todos a se somarem à construção da 16ª Conferência Nacional de Saúde, já apelidada de 8ª+8, em alusão à Oitava Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 e que estruturou as bases do SUS.
Também estiveram presente e fizeram uso da palavra a deputada federal Jandira Feghali, o deputado estadual Gilberto Palmares, Carlos Henrique Tibiriçá, o Caíque, da coordenação da Frente Brasil Popular, Nelson Nahon, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), Leôncio Feitosa, presidente do Sindicado dos Médicos do Município do Rio (SindMed-RJ), Carlos Ocké-Reis, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), Antônio Ivo de Carvalho, coordenador do CEE/Fiocruz, Rodrigo Murtinho, diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz) e José Gomes Temporão, ex-presidente do Cebes e ex-ministro da saúde, além da participação de demais cebianos conectados em outros estados em transmissão pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP).