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Recursos para a saúde

 

* Elias Rassi
 
Desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, com o reconhecimento explícito da saúde como direito de cidadania e com a estruturação do Sistema Único de Saúde, as responsabilidades das esferas de governo têm feito parte dos principais fóruns nacionais.
 
Aqui em Goiás, a postura de recuo dos governos estaduais na organização do SUS tem feito história. A prática de transgressão dos mínimos constitucionais a serem aplicados na área e a progressiva redução dos valores gastos com saúde na esfera estadual somente comprovam a determinação política de esvaziar a presença pública nessa área e também explicam, em parte, a crescente presença das prefeituras nesse contexto.
 
Em 2010 o estado gastou (valores efetivamente pagos) com as ações da Secretaria Estadual de Saúde R$ 667 milhões. Esse montante foi reduzido para R$ 624 milhões em 2011 e, em 2012, considerando valores corrigidos para os primeiros 180 dias, deve atingir R$ 630 milhões.
 
Além de representarem algo em torno da metade dos percentuais definidos constitucionalmente, expressa uma retirada de R$ 80 milhões nos dois últimos anos quando comparados ao anterior. Nesse mesmo período, o IPASGO recebeu R$ 200 milhões a mais para atender os servidores públicos estaduais, passando de R$ 727 milhões em 2010 para R$ 801 milhões e R$ 836 milhões (valor projetado) em 2011 e 2012, respectivamente.
 
É importante identificar onde ocorreram estes cortes para as reflexões. Os investimentos estaduais em saúde (construções e equipamentos) caíram de R$ 27 milhões, em 2010, para R$ 330 mil em 2011, e os gastos com material de consumo (medicamentos e insumos) de R$ 74 milhões para R$ 48 milhões e não devem alcançar R$ 15 milhões em 2012.
 
Como resultados desses cortes, os hospitais estaduais aprofundaram uma grave crise de manutenção e reduziram quase 2 mil internações em 2011. A secretaria municipal de saúde de Goiânia ampliou suas internações próprias em 1.354 pacientes e na rede privada outras 1.328, além da abertura do Hospital da Mulher e Maternidade Dona Iris, que somará mais 8 mil internações anuais. Ainda nesse contexto, estruturou serviços de estabilização nas unidades de pronto atendimento que, face ao recuo da SES, se transformaram em serviços de internações.
 
Desde a promulgação da Emenda Constitucional 29, que completa doze anos no próximo dia 13 de setembro, o Estado de Goiás deixou de aplicar mais de R$ 5 bilhões nessa área já tão sacrificada da saúde, representando a maior subtração de recursos de nossa história.
 
Nos últimos anos, a prefeitura de Goiânia realizou dois concursos públicos: saltou de 5.594 servidores em janeiro de 2006 para 10.715 no início desse ano. Ampliou os seus gastos com saúde de maneira expressiva: R$ 657 milhões em 2010, R$ 760 milhões em 2011 e alcançará R$ 900 milhões em 2012. Compromete 1, em cada 4 reais arrecadados, com saúde pública.
 
Dentre os municípios goianos com mais de 100 mil habitantes, é o que proporcionalmente mais investe no setor. Com exceção de Goiânia (23%), nenhum dos maiores municípios goianos gasta com saúde mais de 20% de suas receitas, o que já representa um esforço altíssimo para o municipalismo, em face da ausência do governo estadual.
 
É com esses recursos que Goiânia complementa a tabela federal em inúmeros procedimentos. O Estado complementa a tabela de anestesia, setor que paralisou as suas atividades por dois meses por atrasos de pagamentos. Esse contexto resultou em mais de 3 mil cirurgias eletivas canceladas, que se transformam em emergências pela demora no atendimento.
 
Como não bastassem os recorrentes cortes de recursos para a saúde, a transferência de toda a rede pública hospitalar estadual à iniciativa privada compromete nossa capacidade de regulação. Diferentemente do ocorrido em outros estados, como São Paulo, onde alguns hospitais foram transferidos para a gestão por Organizações Sociais tradicionais na área de gestão hospitalar e que necessitavam comprovar possuírem serviço próprio há mais de cinco anos, aqui, o nosso principal e único hospital voltado às emergências foi entregue à uma organização montada nas vésperas de processo licitatório.
 
Deixa o setor privado de se constituir em serviços complementares aos públicos pela pura e simples extinção dos serviços públicos. Baseados em contratos de metas por procedimentos, as OS incorporam e maximizam uma das principais distorções de nosso sistema e principal causa de nossa baixa capacidade regulatória, originária ainda nessa lógica inampiana (do antigo INPS), que transforma nossa população em um corpo com peças desmontáveis e nossos hospitais em oficinas de reparos incapazes de um olhar integrador. É possível que essa seja a face mais evidente de uma iatrogenia social e, porque não, também da migração dos nossos antigos hospitais públicos para uma medicina empresarial.
 
Com essa rápida e sucinta exposição fica muito claro que Goiânia está utilizando além de sua capacidade de expansão para suprir os recuos do estado na gestão da saúde e, histórica e solidariamente, suportando com seus serviços as ausências do governo estadual.
 
* Elias Rassi Neto, vice-presidente da ABRASCO,  é professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás e atual Secretário de Saúde de Goiânia. Artigo publicado no Jornal O Popular, no dia 03 de agosto de 2012.

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