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 POSICIONAMENTO ABRASCO 

Repúdio às ações truculentas da Polícia Militar e demais instituições da segurança pública

Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Foto original: Mídia NINJA

Os episódios de violência policial e extermínio ocorridos nos últimos dias no Guarujá, São Paulo, no Complexo da Penha e na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, têm feito parte do cotidiano de centenas de cidades brasileiras, a despeito do tamanho da população, grau de urbanização ou distribuição etária e por sexo. Estes agravos violentos, via de regra, são seletivos. Ocorrem com maior frequência em população vulnerabilizada, seja por questões raciais, ratificando o racismo estrutural, seja por situação de pobreza[1].

Nas últimas três décadas, os países da América Latina e Caribe vêm passando por mudanças na carga dos principais grupos de doenças e agravos que matam a população. Como consequência das profundas desigualdades estruturais, um dos grupos de agravos que mais se destaca é o de causas externas, onde se incluem as mortes por causas acidentais e violentas, tornando a violência um problema de saúde pública. O Brasil possui 2,7% da população mundial, mas concentra 20,4% dos homicídios globais. Ainda, estes números compreendem uma expressividade de homens (91,4%), negros (76,9%) e população de 12 a 29 anos (50,2%)[2]. Segundo o Atlas da Violência de 2021, em 2019, pessoas pretas e pardas tinham 2,6 vezes mais chances de serem assassinadas[3]. Segundo o 14 Anuário Brasileiro de Segurança Pública, neste mesmo ano, pretos e pardos representavam 2/3 de pessoas privadas de liberdade[4].

É preciso desenvolvermos ações de curto prazo, a fim de reduzir imediatamente os alarmantes números de mortes violentas. Neste contexto, é preciso reverter a truculência do Estado (e/ou de seus representantes) sobre a população periférica, também apoiada no racismo estrutural. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para o país, somente no ano de 2022 foram 6.429 vítimas fatais de intervenções de policiais civis e militares da ativa, em serviço ou fora, o que perfaz, em média, 17,6 mortes por dia. A absoluta maioria dessas pessoas era preta e parda (83%)[5]. E essa é uma tendência que se confirma há décadas. As crianças e adolescentes, também não estão a salvo, pois correspondem nesse mesmo ano a 7,6% dessas mortes. De acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, entre 2014 e 2018, 2.213 crianças e adolescentes foram vítimas de homicídio doloso nesse estado, e 705 morreram por intervenção policial, com média de 417 ao ano[6].

Respostas policiais de intensidade desproporcional à ocorrência dos crimes descrevem como a violência se retroalimenta. À polícia não cabe o direito de matar e reproduzir o caos social criado pela violência. A questão aqui é indagar de qual segurança pública a sociedade precisa? Há quem diga que sequer temos uma política de segurança pública, e que esse setor está à deriva[7].

O que se verificou nos últimos anos foi que o orçamento da segurança pública, em 2021, ultrapassou R$ 105 bilhões de reais no país[8], com aumento especialmente nas áreas de policiamento e inteligência. Como não há uma orientação central pelo fato de as polícias serem estaduais, as ações muitas vezes são descoordenadas, com baixa capacidade resolutiva e tentativas de combater a violência urbana elevando o tom da violência como resposta. Consideremos, neste caso, que o pacto social de coexistência é comprometido. Aqui, se revela a ruptura do contrato social em que o Estado protegeria a população a partir do uso legítimo, coordenado e equilibrado de seu poder de coerção. Vale mencionar que esta ação policial traz desdobramentos na vida de toda a população, mas especialmente dos grupos mais vulnerabilizados e moradores de áreas conflagradas que prejudicam seu bem-estar. A invasão dos territórios impede a manutenção das atividades escolares, as visitas domiciliares das equipes de saúde da família, e o ir-e-vir dos trabalhadores. Desta forma, elementos centrais do direito à vida e da proteção social são impactados negativamente por ações de segurança pública que não são resolutivas.

Também é importante destacar que a violência atinge os próprios policiais: entre 2020 e 2021 houve a morte de 6.145 policiais[9] – período, reforçamos, em que havia uma indução ao distanciamento físico em decorrência da Covid-19. No Rio de Janeiro, particularmente, houve claro enfrentamento à Arguição de Descumprimento de Preceito Federal 635 (onhecida como ADPF das Favelas), do Supremo Tribunal Federal (STF), que tentou controlar essas operações realizadas em favelas da cidade, e que foi descumprida por forte reação das forças policiais ao promoverem uma chacina com mais de 27 mortos na comunidade do Jacarezinho. Os impactos desta violência urbana influem também no aumento do número de suicídios de policiais. Segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, sem contar com o estado de São Paulo por impossibilidade de comparação com ano anterior por ausência do dado, o Brasil apresentou um aumento de 18,5% da taxa de suicídios de policiais da ativa em 2021 comparado ao ano de 2020. Vale chamar a atenção que o número de casos de suicídio em policiais é apenas a ponta do iceberg, dada a dificuldade de dar visibilidade ao problema, em função do grande subregistro destas situações entre policiais presente em todo o mundo[10].

[1] Barroso MF. Violência estrutural:mediações entre “o matar e o morrer por conta”. Rev katálysis. 2021;24(2):397–406.

[2]https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf

[3] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/12/atlas-violencia-2021-v7.pdf

[4] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf

[5] https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/

[6] Deliberação CEDCA/RJ Nº 78 DE 28 DE JULHO DE 2021. Dispõe sobre a política estadual de prevenção e enfrentamento aos homicídios de crianças e adolescentes no Rio de Janeiro (RJ)

[7] Costa, Arthur Trindade M. Um balanço da segurança pública em 2021. Acesso em 13.08.2023: https://fontesegura.forumseguranca.org.br/edicao/ed-117/

[8] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/16-anuario-2022-desafios-no-financiamento-da-seguranca-publica-recursos-estagnados-e-reforma-do-icms.pdf

[9] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=15

[10] https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/

 

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