Um artigo publicado na revista científica Nature denuncia a iminência de suspensão das mais de 80 mil bolsas de pesquisa no Brasil, vinculadas ao CNPq, a partir de setembro, em decorrência dos cortes no orçamento da ciência e tecnologia – realizados pelo governo Jair Bolsonaro. Confira a tradução do texto Brazil’s budget cuts threaten more than 80,000 science scholarships, publicado em 19 de agosto:
A principal agência de financiamento científico do Brasil terá que suspender mais de 80 mil bolsas de estudo para pesquisadores de pós-doutorado e estudantes de graduação e pós-graduação a partir de setembro, a menos que receba mais recursos do governo. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou os cancelamentos iminentes em 15 de agosto, quando comunicou também que não oferecerá novas bolsas de estudo.
O governo do Brasil não liberou os 330 milhões de reais (US $ 89 milhões) que congelou no orçamento do CNPq, como parte de cortes de gastos mais amplos anunciados em março. Se a administração do presidente Jair Bolsonaro não liberar parte do dinheiro em breve, o fundo de bolsas do CNPq ficará sem dinheiro no próximo mês.
“O governo está colocando em risco o futuro de toda uma geração de cientistas brasileiros”, diz Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP): “O cancelamento das bolsas terá um impacto devastador na ciência brasileira, que depende desses jovens pesquisadores”, afirmou Artaxo. Para Alexandre Turra, que compõe o quadro docente do Instituto Oceanográfico da USP, não apoiar os estudantes em programas de pesquisa “é como atirar no próprio pé”.
Uma questão de sobrevivência
A bióloga Nicole Malinconico, que mora em São Paulo desde janeiro e se inscreveu no programa de doutorado do Instituto Oceanográfico da USP, é uma dentre os muitos estudantes de pós-graduação que podem ter que abandonar a pesquisa se as bolsas de estudo do CNPq forem cortadas: “Agora, mesmo que eu entre no doutorado, sem a bolsa não vou conseguir me manter em São Paulo”, diz Malinconico.
Ela planeja solicitar uma bolsa de estudos oferecida pela Fundação de Pesquisa de São Paulo, uma agência local de financiamento científico, mas pondera que a competição por fontes alternativas de dinheiro cresceu rigidamente. Malinconico teme que precise desistir de sua carreira de pesquisadora para procurar um emprego fora da academia, como muitos de seus amigos estão fazendo.
“Para muitos estudantes, uma bolsa de estudos é muito mais do que apoio à pesquisa, é um salário que eles usam para viver, comer e pagar suas contas”, diz Daniel Martins-de-Souza, bioquímico da Universidade de Campinas. “Sem esse apoio, muitos pesquisadores ficarão desempregados, o que poderia mudar os números gerais do desemprego no Brasil”, afirma.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada em São Paulo, lançou uma petição on-line em 13 de agosto, juntamente com outras 97 instituições de pesquisa e educação do país, exigindo que o governo ajude o CNPq a cumprir seus compromissos de financiamento. Em 19 de agosto, registrava mais de 270.000 assinaturas.
Andando para trás
Pesquisadores no Brasil têm trabalhado sob uma nuvem de incerteza desde março, quando o governo de Bolsonaro anunciou que iria congelar 42% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), incluindo o congelamento no orçamento do CNPq. Na mesma época, o governo também anunciou que cortaria 30% dos recursos destinados às universidades federais.
Muitos pesquisadores deixaram o Brasil para melhores situações no exterior, enquanto os que ficaram lutam para manter seus laboratórios funcionando: “A ciência está andando para trás no Brasil”, afirma Marcos Buckeridge, diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol. O instituto inclui 31 laboratórios – em 5 estados brasileiros – que desenvolvem tecnologia para produzir biocombustíveis usando materiais como plantas ou resíduos animais. Ele teme que se o CNPq parar de financiar bolsas de estudo para estudantes e pós-doutorados, nos próximos meses o instituto não terá pesquisadores suficientes para realizar experimentos.
Segundo Mariana Galiza de Oliveira, porta voz do CNPq, o órgão e o MCTIC estão em negociação com o Ministério da Economia por mais dinheiro até o final do ano, a fim de que possam apoiar bolsas de estudo. Entretanto, para Oliveira, não está claro se a agência receberá o dinheiro a tempo de evitar uma interrupção nos pagamentos dos atuais bolsistas.