Da casca da amoreira, uma ajuda para o equilíbrio hormonal feminino; das folhas do picão o alívio para os sintomas da hepatite. As orientações são de Lourdes Carvalho, dona de casa e agricultora urbana de Vargem Grande, bairro da cidade do Rio de Janeiro. Ela é uma das personagens de A saúde está entre nós, filme de Tiago Carvalho exibido na estreia da Sessão Curta Agroecologia. Promovido pela VideoSaúde e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) com apoio da Abrasco e da presidência da Fiocruz, o evento mostrou, por meio de sons, imagens e ideias, a importância do modelo agroecológico como estratégia promotora de saúde, de conhecimento popular e de cuidado.
A sessão aconteceu em 11 de março, no auditório do Museu da Vida. Na abertura, Valcler Rangel Fernandes, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, elencou os motivos que levam a instituição a abraçar publicamente este posicionamento. “O modelo agrícola hegemônico produz doenças e faz do Brasil o campeão do uso de agrotóxicos no mundo. Temos de ter alternativas a isso e, no nosso ponto de vista, a alternativa é a produção agroecológica”. Fernandes destacou ainda que é preciso trazer debates e ações em agroecologia de forma mais presente para o campo da saúde. “Nossa produção científica deve fornecer subsídios para essa virada”.
Um desses subsídios é o próprio filme, realizado pela ANA em co-produção com a VideoSaúde, distribuidora da Fundação, e o Canal Saúde. Ao desligar das luzes, viu-se uma obra cinematográfica simples, direta e bela como a flor da arnica, famosa por suas qualidades cicatrizantes. Lourdes Carvalho, integrantes do projeto Grão de Mostarda e outros conhecedores dos segredos da terra e das folhas falam de suas relações com esse universo, no qual saúde, conhecimento e cuidado brotam das experiências de vida e de um olhar generoso com a natureza e com o outro. Já Alex Botsaris, médico e coordenador do atendimento de fitoterapia do Hospital do Andaraí, e Sandra Magalhães Fraga, pesquisadora da FarManguinhos, destacam como a ciência, a pesquisa e a medicina têm a aprender com a cultura e o saber populares, num caminho em lenta, mas constante construção.
Comunicação, saúde e política: Após a exibição, a tela teve suas fronteiras ampliadas num debate com Tiago Carvalho, diretor do curta; Inesita Araújo, professora e pesquisadora do ICICT/Fiocruz; Natalia Souza, integrante da ANA e da Campanha contra os agrotóxicos e pela vida; Guilherme Franco, coordenador de Meio Ambiente da vice-presidência da Fiocruz e membro do GTSA da Abrasco; Vilma Reis, jornalista e coordenadora da comunicação da Abrasco, e Dilmara Lira, do projeto Grão de Mostarda.
Estudiosa do tema desde 1978, Inesita fez um breve histórico dos debates sobre agroecologia no Brasil. Marcado por idas e vindas, o atual momento é de retomada, segundo a pesquisadora. No entanto, para o fortalecimento como prática e discurso, a agroecologia deve necessariamente aliar tecnologia, política e comunicação para a disputa do poder simbólico na sociedade. “É por alguma forma de comunicação que há de se travar esse embate num campo midiático já ocupado por empresas como Monsanto e outras”.
Na sequência, Dilmara Lira falou do projeto Grão de Mostarda. O grupo é formado por 11 mulheres do bairro de Santa Maria, em Belford Roxo (RJ), produz remédios artesanais e difunde o conhecimento das plantas medicinais para a população local. “Nosso principal trabalho é ouvir a reclamação das pessoas sobre sua saúde e as condições de atendimento para, com a troca de conhecimento, tentar ajudá-las”. Apesar da natureza terapêutica das atividades, Dilmara e o grupo acreditam que a principal inserção do projeto passa pela cultura. “Somos agentes do conhecimento tradicional, pois sentimos que a visão da medicina ainda é retirar das plantas e da natureza o que se necessita para a farmacopeia, sem reconhecer as qualidades do conhecimento popular difundido”. O Grão de Mostarda sedia também a Rede Fitovita, articulação com outras comunidades e redes difusoras da medicina popular espalhadas no estado do Rio .
Parcerias e trocas entre cultura tradicional, movimentos sociais, saúde e comunicação também foram abordadas pelos representantes da ANA e da Fiocruz. “Em nossas discussões, percebemos como é central tratar a comunicação não apenas como uma ação instrumental, mas como um processo emancipador e um direito social”, disse Natalia Souza, adiantando os eixos que serão debatidos no Terceiro Encontro Nacional de Agroecologia (3º ENA). “Essa cooperação deve estar no conjunto de políticas públicas para ampliar o espaço dos orgânicos, das plantas medicinais e outros produtos. Precisamos avançar e identificar novos parceiros”, argumentou Guilherme Franco, destacando que o assunto fará parte do Segundo Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente (2º SIBSA).
Para o diretor Tiago Carvalho, o grande desafio do filme é fazer a agroecologia circular em campos nos quais é pouco conhecida. “Queremos ganhar terreno na divulgação da estratégia agroecológica e as plantas medicinais surgiram como um bom tema. A maneira artesanal do trato com as folhas também está no filme, pois tivemos tempo para ver nos olhos das pessoas e ouvir suas vozes”.
Clique e assista o curta-metragem A saúde está entre nós
Saiba mais:
Terceiro Encontro Nacional de Agroecologia – 3º ENA
De 16 a 19 de maio, em Juazeiro (BA)
www.agroecologia.org.br
Segundo Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente – 2º SIBSA
De 19 a 22 de outubro, em Belo Horizonte (MG)
http://www.sibsa.com.br/
Rede Fitovita