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Sabotagem dos governos, fragmentação de interesses e necessidade de coalização e ação estratégica pelo SUS

Inês Costal e Patrícia Conceição - Observatório de Política

Três grandes sanitaristas reunidos para discutir desafios e perspectivas do Sistema Único de Saúde (SUS) lotaram o maior auditório do Abrascão 2018 na sexta-feira, 27, segundo dia do evento. Jairnilson Paim (ISC/UFBA), Ligia Bahia (IESC/UFRJ) e Sonia Fleury (CEE/Fiocruz) se apresentaram na mesa-redonda: “SUS: Desafios e perspectivas”, coordenada por Luciana Dias (ENSP/Fiocruz).

“A grande contradição da medicina social ou da saúde coletiva é tematizar o social sem o sujeito capaz de incidir sobre ele”. Com a declaração de Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves, Jairnilson Paim, coordenador do projeto Análise de Políticas de Saúde no Brasil, iniciou sua apresentação apontando as novas possibilidades de constituir sujeitos como caminho para formação de uma base social que articule o conhecimento produzido pela saúde coletiva brasileira com a ação. “Quem são os sujeitos capazes de incidir sobre essa reforma que não é setorial?”, questionou, enfatizando que o ‘social não é dócil’, há disputa de projetos sociais. Outro caminho indicado pelo pesquisador em articulação ao social, a política, para o sanitarista precisa ser vista além das perspectivas de racionalidade e interesses – “política é paixão e é essa paixão que até outubro precisa ser mobilizada em todos os espaços desse país”.

Na apresentação, o sanitarista enfatizou o papel do Estado contrário aos interesses do movimento da Reforma Sanitária brasileira (MRSB): “O Estado brasileiro, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário sabotam o SUS”! E continuou: “O Estado brasileiro, apesar do pacto construído depois de 20 anos de ditadura, desde o primeiro momento até mais recentemente, inviabilizou o avanço da Reforma Sanitária brasileira. […] Isso significa que esse Estado realmente existente tem que ser virado ao avesso”. Para Paim, a reforma democrática do Estado brasileiro, iniciada com a Constituição de 1988, foi sabotada politicamente por todos os governos e é preciso construir novas trincheiras de luta.

Reiterando o desafio político do SUS, Paim acredita que é possível constituir sujeitos voltados para a ação, um trabalho que envolva vários segmentos e forme um bloco de atuação ampliada que faça frente aos desmontes e retrocessos em andamento. “Podemos construir, de baixo para cima, um programa convergente para atuar aqui e agora até outubro, mas com dois olhos nas perspectivas que se colocam para construção dessa nova hegemonia”, afirmou.

Novas peças no tabuleiro político

Em apresentação ancorada no artigo publicado na edição de julho dos Cadernos de Saúde Pública sobre os 30 anos do Sistema Único de Saúde, a pesquisadora Lígia Bahia discorreu sobre a democratização da atenção à saúde, a perda de potência do bloco responsável por impulsionar a mudança democrática na saúde para redefinição das políticas e as mudanças ao longo do tempo em três modalidades assistenciais: pública, privada e filantrópica.

Para Lígia Bahia, a expansão dos planos privados de saúde e das empresas privadas assistenciais alterou a posição das peças e do próprio tabuleiro do jogo político: “Existem um novo setor público, um novo setor filantrópico e um novo setor privado no Brasil. Essas novidades requerem que a gente pense sobre as tensões, interesses, alianças e conflitos e como estes se expressam nos três poderes”. Ao reconhecer os retrocessos e impasses nestes 30 anos do SUS, a pesquisadora enxerga a luta como único caminho possível para avançar. “Nosso desafio é esse, dar a volta por cima, considerando todo acúmulo de conhecimento e nosso passado, porque não há empate. Nós estamos perdendo e para ganhar é preciso redobrar o esforço”, instigou.

É preciso unidade

Insegurança sobre o futuro, Estado de exceção e hegemonia do pensamento liberal marcam o atual momento do país para Sonia Fleury. A cientista política apontou avanços e conquistas da Constituição Federal a partir da inserção de conjuntos de valores sociais, mas reiterou a fragmentação de interesses na atuação para o texto constitucional – não houve pacto social, mas janela de oportunidade gerada pela crise da época (leia entrevista aqui). “Era muito difícil entre nós, era muito difícil com o centrão, era muito difícil com o Ministério que tentou tirar o SUS do texto constitucional, e, portanto, não houve pacto. […] Foi sabotado desde o dia que foi promulgada a Constituição”, afirmou.

A crescente complexidade do setor saúde, para a pesquisadora, acarretou em especialização dos/as sanitaristas, defesa de projetos e avanços específicos e corporativização, com consequente fragmentação da base social que possibilitaria o avanço do SUS. Como exemplo, citou a realização do Congresso do Conasems – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde no mesmo período do Abrascão – “estou culpando a nossa incapacidade de estarmos juntos nesse momento, e sem estarmos juntos, não vamos avançar”.

Para Fleury, não houve pacto ou hegemonia, mas tensão entre integrantes do MRSB. Ilustrando com episódio no qual foi cortada de reunião com sanitaristas por ser considerada “difícil” – “Não sou difícil, sou uma posição política que não faz acordo” – em sua apresentação, a cientista política destacou a importância da união.

“Numa sociedade como a nossa, estruturada em torno da desigualdade e da exclusão, fazer uma proposta generosa e igualitária é e sempre foi revolucionário, e é por isso que ela é boicotada o tempo todo”. Fleury acredita que apenas coalizão política forte possibilitará que projeto transformador da sociedade seja viável e que a luta pela hegemonia implica que a luta da saúde seja colocada como luta geral “pela igualdade, contra exclusão e, em especial, contra a capacidade que tem essa sociedade de considerar que negros, favelados e periferia não existem no nosso universo”.

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