Há mais de 10 anos sem produção específica na área da odontologia, o periódico The Lancet resolveu sanar tal lacuna e lançou o suplemento The Lancet Series Oral Health, publicado em duas partes, com o primeiro bloco divulgado em julho último.
Apesar dos avanços científicos na área, a publicação destaca que a prevalência de doenças bucais aumentou em países de baixa e média renda (LMIC, na sigla em inglês). Tal grandeza está diretamente ligada ao acesso e à cobertura dos sistemas de saúde. Enquanto as estimativas de cobertura do cuidado bucal abraçam apenas 35% da população dos países pobres e 60% nos países de renda média-baixa, as nações mais ricas têm cobertura de cerca de 82%. A estimativa é de 3,5 bilhões de pessoas no planeta tenham sua saúde bucal negligenciada. Os principais problemas são a perda de dentes permanentes; doenças inflamatórias na gengiva e cânceres na cavidade oral.
O avanço de tais agravos e doenças é também melhor percebido entre pessoas socialmente desfavorecidas e vulneráveis, não importa onde morem. Estudos que compõem o número apontam que as indústrias do açúcar, do álcool e do tabaco ampliam os indicadores desses agravos, sendo imperioso o desenvolvimento de procedimentos claros e transparentes para uma política de conflito de interesses por parte dessas empresas quando em ação junto aos agentes estatais e públicos para definição de políticas públicas, bem como nas pesquisas em saúde pública e saúde bucal.
A organização do número especial foi liderada por Richard Watt, pesquisador sênior da University College London (UCL), que reuniu 13 especialistas acadêmicos e clínicos de 10 países para desenhar o quadro global das doenças bucais nas últimas três décadas. Os brasileiros e integrantes do Grupo Temático Saúde Bucal Coletiva, da Abrasco, Roger Keller Celeste e Marco Aurélio Peres assinam como co-autores o artigo central “Oral diseases: a global public health challenge”. Roger Keller Celeste é professor do Departamento de Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FO/UFRGS), enquanto Marco Peres é professor da School of Dentistry and Oral Health da Griffith University, na Austrália.
“Para o Brasil, e talvez para a maioria dos países latino-americanos, essa série do The Lancet joga luz sobre temas caros, como a importância de se integrar a odontologia nas ações de Atenção Primária à Saúde; e a formação e treinamento de dentistas por nossas universidades. Temos muitos cursos de odontologia concentrados nas áreas mais ricas do país, com currículos voltados para clínica privada. A América Latina é marcada pela iniquidade em saúde bucal e este número enfatiza que são necessárias diferentes estratégias para atacar a alta prevalência dessas doenças, diretamente relacionadas tanto aos determinantes sociais como aos determinantes comerciais da saúde, vide o efeito maléfico que o consumo de refrigerantes, alimentos ultraprocessados e produtos do tabaco causam na saúde das pessoas, provocando cáries desnecessárias e levando à perda de dentes permanentes” ressalta Roger Keller Celeste. Acesse https://www.thelancet.com/series/oral-health