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“Saúde Digital é uma questão de soberania nacional, de cidadania, de existência do SUS”

Hara Flaeschen

Saúde Digital é um conceito inevitável, de agora em diante. É preciso aprofundar as reflexões sobre as ferramentas que fornecem e armazenam informações sobre saúde, e seus impactos – nos indivíduos e no Estado. “É uma questão de soberania nacional, de defesa dos direitos e da cidadania, e da existência do SUS”, afirmou Clarissa Marques, da Coalizão Direitos nas Redes, durante mesa-redonda na manhã de 22 de novembro, na programação do Abrascão 2022.

Clarissa é advogada, e participou do painel “Saúde digital pode ser uma ameaça ao SUS? Uma discussão sobre a relação entre Saúde Digital e neoliberalismo”, juntamente com Raquel Rachid, pesquisadora da Fiocruz e também integrante da Coalizão, e Rafael Evangelista, professor da Unicamp e representante da comunidade científica e tecnológica no Conselho Gestor da Internet (CGI). O coordenador foi Leonardo Costa de Castro (Fiocruz).

O modelo de Saúde Digital aponta para a mercantilização

A fala de Raquel Rachid foi centrada na Estratégia Brasileira em Saúde Digital, em comparativo com outros países: “O modelo de Saúde Digital aponta para a mercantilização, e o foco é na criação de negócios”. A articulação mundial em torno do tema é proporcionada por grandes empresas – como  Google e Microsoft – que pautam e mobilizam as experiências do setor público.

O DataSUS, por exemplo, fica hospedado – desde 2020 – no AWS (Amazon Web Service), nuvem da gigante Amazon. Jacson Barros, um dos responsáveis pela negociação do Ministério da Saúde com a AWS, hoje é gerente de negócios da empresa privada.  O debate não chega à população, de forma geral. Um dos motivos, segundo Rachid, é que “Não há espaço para a sociedade civil no Comitê Gestor de Saúde Digital”.

Clarissa esmiuçou aspectos jurídicos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que trata, entre outros aspectos, do tratamento de dados sensíveis – como os que trazem informação sobre características individuais sobre raça/cor, crenças, posicionamentos políticos, questões genéticas, biométricas e sobre a saúde ou a vida sexual. “A informação identificável não é só RG, CPF. Todo dado que possa identificar uma pessoa é considerado pessoal”, explicou.

A LGPD legisla sobre a comunicação ou uso compartilhado desses dados pessoais sensíveis, a fim de proteger a privacidade dos sujeitos.

Open Health 

As integrantes da mesa também abordaram o Open Health, aposta do atual Ministério da Saúde, que desperta preocupação na sociedade civil organizada. Tramita uma proposta de lei que pretende unificar todo o ecossistema de dados de saúde em uma plataforma digital: um prontuário eletrônico único, entre sistema público e privado. Assim, todos os usuários do SUS teriam seu histórico de saúde – de teste de pézinho e vacinação à internações e diagnósticos – exposto para o mercado da saúde. 

Em nota divulgada em 20 de setembro, a Abrasco, Coalizão Direitos na Rede e outras entidades sinaliza, que “A criação de um modelo de ampla entrega de dados de saúde para agentes privados, expõe os cidadãos a diversos riscos, entre eles o de discriminação quanto ao acesso à saúde”. O documento também indica que o debate sobre Open Health deve considerar questões relacionadas à propriedade e segurança, mas também ética, privacidade e fortalecimento do SUS – “É preciso que o interesse público seja o condutor destas ações”.

Rafael Evangelista traçou um paralelo com a Educação – e o avanço do setor privado no contexto da Educação à Distância (EAD), acelerado pela pandemia de Covid-19. Ele alertou para a coletas de dados de pessoas consideradas vulneráveis, que é o caso de crianças e adolescentes, e a desinstitucionalização da escola, nesses contextos. “A gestão de dados não pode ser vale-tudo, tem uso específico. Não temos rejeição à tecnologia, mas a realidade posta no momento é que há uma apropriação desse uso pelo capital privado”, concluiu. 

Saúde Digital em pauta no Abrascão 2022 

O tema também foi discutido na mesa redonda “Como direcionar as tecnologias digitais no SUS para participar da superação das desigualdades sociais e a ampliação da soberania dos bens de saúde e não para servir ao poder político-econômico nacional e transnacional?”, que aconteceu na manhã de 21 de novembro. Leia mais e confira como foi. 

Já no dia 24, acontece a mesa-redonda ” Você sabe quem está usando os seus dados pessoais? Uma discussão sobre a governança dos dados de saúde no Brasil”, onde será lançado o relatório “Proteção de Dados Pessoais em Serviços de Saúde Digital no Brasil”, produzido por um grupo de pesquisadores do ICICT/Fiocruz, IDEC e Intervozes. 

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