A Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, foi considerada uma das medidas de austeridade mais rígidas do mundo. A proposta era congelar o investimento em saúde e educação durante 20 anos, sem considerar, por exemplo, crescimento populacional ou emergências – como a pandemia de Covid-19. Nesta semana, sete anos após entrar em vigência, a EC 95 foi substituída pelo arcabouço fiscal. E o que muda, no âmbito da saúde?
A mesa “Dilemas e perspectivas para viabilizar receitas e ampliar a despesa com ações e serviços públicos de saúde”, durante o seminário Financiamento do SUS, organizado por Abrasco e ENSP, contribuiu para a compreensão do novo contexto. O painel reuniu Grazielle David, doutoranda na Unicamp, Fernando Silveira, pesquisador do IPEA, Ernesto Bascolo, chefe da Unidade de APS e Serviços Integrados da OPAS, e Sulamis Dain, professora da UERJ. Érika Aragão, diretora do Departamento de Economia da Saúde, Investimento e Desempenho do Ministéiro da Saúde, coordenou o debate.
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Para Grazielle David, se, por um lado, a EC 95 era um “verdadeiro pesadelo”, por outro, o arcabouço fiscal não é um sonho. Ela pontuou que os gastos sociais seguirão pressionados e dependentes de novas receitas para expandir, com regras complexas e muita limitação fiscal. “Não há muitas cláusulas de escape para crises – como se não tivéssemos entendido com a Covid-19 que emergências acontecem”, afirmou.
Há pontos positivos, como a retomada de pisos para saúde e educação, mas o investimento é vinculado à arrecadação do Estado – ou seja, o critério ainda não é a necessidade da população, é o chamado equilíbrio fiscal.
“Saímos de um engessamento total para um engessamento parcial: continuamos com travas, limitações ao gasto corrente, limitações ao investimento”, acrescentou Sulamis Dain. O novo marco regulatório pode provocar um “semi austericídio”, já que só haverá expansão do investimento em caso de superávit.
Ela também evidenciou algumas vantagens, em relação à EC 95, como a possibilidade de aprovar mudanças no arcabouço a partir de projetos de lei, não mais por emendas constitucionais, como determinava o teto de gastos – mas destaca que a regra segue como impeditivo para a garantia dos direitos e da cidadania: “Precisamos lutar contra o equilíbrio fiscal, pensar em fontes alternativas. Sem o fundo público, não há política pública”.
É o que reforçou Ernesto Bascolo, representante da OPAS: “O financiamento público é uma função essencial para os sistemas de saúde. Não é uma agenda em paralelo, é essencial para melhorar as condições de acesso aos serviços de saúde em sua integralidade”.
Ao pensar em novas fontes de receita, Grazielle David argumentou que é preciso falar também de reforma sobre o patrimônio e taxação de riqueza: “Sobretudo, é preciso defender a constituição cidadã, resistir e garantir que saúde e educação tenham seus pisos garantidos. E lembrar que saúde é um direito em si, mas é motor econômico: também é boa para economia”, finalizou.
Sulamis Dain sugeriu que a saúde deve aumentar a pressão para incluir agrotóxicos e ultraprocessados no Imposto Seletivo, em discussão na Reforma Tributária – com o argumento de nocividade.
“Tirar do mercado”
Em paralelo a criar medidas que garantam financiamento ao SUS, conforme as necessidades da população brasileira, é fundamental reduzir o setor privado: “Não é só colocar dinheiro no SUS, é tirar do mercado”, defendeu Fernando Silveira, do IPEA. Ele apresentou dados que indicam um crescimento do gasto da saúde no PIB, mas, simultaneamente, há diminuição da oferta pública.
Silveira abordou o aspecto ideológico desse cenário: o neoliberalismo consiste – mais do que práticas econômicas – na consolidação de um imaginário coletivo, baseado na ideia de Estado mínimo e privatização: “A sociedade acredita que ascender socialmente é ter escola privada e plano de saúde. É preciso regulação e controle de planos de saúde, parar com subsídios, inclusive de hospitais filantrópicos”, disse.