O processo de avaliação de risco de uma biotecnologia para ser aplicado em larga escala, visando a controlar uma doença viral dependente de vetor, é um desafio teórico-operacional que requer, no mínimo, o estudo de três ecologias interdependentes: a do ser humano, a do vírus e a do vetor, e as políticas públicas.
As avaliações de risco devem responder a questões relativas tanto aos aspectos do próprio invento tecnológico (no caso, o mosquito transgênico) como à intervenção no território, tais como: as populações-alvo (Aedes aegypti natural) e suas múltiplas interações (ser humano em seu processo de reprodução socioambiental-vírus-vetor).
No entanto, o que se observou no caso da liberação comercial pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para o uso dessa tecnologia no município de Jacobina, no estado da Bahia (BA), foi uma abordagem parcial, que não considerou a complexidade inerente às redes bio-socio-técnicas. Quando isto ocorre, a consequência é a produção de resultados contraditórios entre os diversos componentes da análise de risco.
Já se sabe que as endemias vetoriais, que persistem no meio e que pressionam a saúde pública, acabam não sendo equacionadas por conta da adoção de soluções focadas apenas no vetor. Ao contrário, se a intervenção efetivada pela saúde pública for baseada em modelos integrados, como já pode ser feito para a dengue e a malária, resultados positivos são mais prováveis.
Por esta razão, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco – se manifestou contrária à decisão da CTNBio que autorizou a produção de mosquito transgênico para uso no controle vetorial de uma doença de notificação compulsória, que requer cuidados em todos os elos da cadeia epidemiológica.
A análise de risco procedida pela empresa interessada se baseou em ensaios de curta duração (2011 a 2013), partindo de pressupostos simplistas (eliminação do vetor) para controle da dengue, que tem uma causalidade complexa.
De fato, não há informações sobre a eficácia dessa tecnologia em diminuir os casos de dengue, já que a Oxitec não possui dados experimentais sobre isto (ou não os tornaram públicos). Divulgamos inicialmente, em 19 de setembro, uma primeira nota técnica sobre o uso comercial de mosquitos transgênicos e reafirmamos nosso compromisso neste novo texto e em sua versão extensa, que se encontra aqui disponível.
Finalmente, a Abrasco lembra que temas como esse serão debatidos no 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente a realizar-se em Belo Horizonte, de 19 a 22 de outubro, e, portanto, convida todos os interessados a participar.