“Vocês estão na terra de pessoal lutador, solidário, gente guerreira com intencionalidade política e emancipadora”, anunciou Pedro Cruz, presidente da Comissão Organizadora Local do 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, saudando os cerca de 1500 presentes na cerimônia de abertura do evento, na tarde de 27 de setembro, em João Pessoa, capital paraibana.
UFPB: universidade onde a pesquisa brota da realidade
Pedro exerce com orgulho o papel de professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), instituição que recebe o congresso da Abrasco até o próximo dia 30: “Vocês estão em uma universidade em que a pesquisa brota da realidade, onde o ensino é provocado pelo que pulsa, pelo que vibra, na realidade social. A nossa extensão é o caminho pelo qual a gente pode fazer a conexão entre a pesquisa, o ensino e o chão do cotidiano, os territórios da vida – onde as pessoas, de forma complexa, multifacetada e diversificada, constroem seus processos de saúde e doença e convivem a todo momento com o que Paulo Freire denominou de ‘situações limites’. É na realidade que a gente vai construir o que Freire também chamou de ‘inéditos viáveis’. A mudança é possível!”, afirmou o professor.
Para Pedro, um dos caminhos para a mudança – para alcançar processos humanizadores – é o diálogo intercultural, a troca com saberes populares, com os outros saberes científicos: “Não estamos para passeio não, viu? Estamos aqui porque temos intencionalidade política, que está na aplicação edificante da ciência. Não nos basta fazer por fazer, precisamos contribuir com o processo de felicidade das pessoas. Queremos justiça social, igualdade nas diferenças”. Ainda referindo-se à universidade, o docente aproveitou para declarar um “necessário” não ao Future-se, programa proposto pelo atual ministro da educação para facilitar a inserção do mercado privado nas universidades públicas: ” Esta estrutura toda [da universidade] só tem sentido se for socialmente referenciada. As pessoas em processo de exclusão, que estão em mutirão lutando pela vida, são protagonistas, e temos que aprender com elas para com elas construir o processo de mudança”.
Além da UFPB, Pedro referenciou com admiração e agradecimento Palmira Lopes e Eymard Vasconcelos – homenageados do congresso – a Comissão Organizadora Local do 8º CBCSHS, a Comissão de Ciências Sociais e Humanas da Abrasco e a própria associação, “pela defesa intransigente do direito à saúde de todas as pessoas”. Confira a fala na íntegra.
Igualdade nas Diferenças
Martinho Braga e Silva, presidente do congresso, iniciou seu discurso enfatizando os 40 anos da Abrasco – a segunda cerimônia do dia – e pautou-se no tema do congresso “Igualdade nas Diferenças: a construção do bem-viver e do SUS”, presente nos pilares e nuances do 8º CBCSHS: “É isso que vamos fazer aqui: promover um debate sobre o valor da igualdade, um debate no qual nossas diferenças possam caber em cada uma das mesas-redondas, rodas de conversa e demais atividades que compõe esse congresso. Igualdade, não desigualdade! Diferença, não indiferença!”, afirmou.
Martinho, que também é coordenador da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, destacou o processo coletivo – que envolveu toda a comissão – em parceria com o grupo de pesquisa Educação Popular em Saúde da UFPB e a forte presença de movimentos sociais – na estruturação do evento: “Aprendi que a construção compartilhada é tão relevante quanto a coletiva, pois não se trata apenas de diversificar os saberes, como também dialogar com aqueles cujos porta-vozes não são exclusivamente os professores-pesquisadores-doutores. Acreditamos na participação social, materializamos ela em nossos GTs, comissão organizadora, científica e local do 8º CBCSHS, sabendo da importância de exercê-la e não apenas recomendá-la no SUS, ainda mais no cenário político contemporâneo”, comentou o professor.
Dessa união de mentes e corações diversos e complementares, surgiu um “produto pluri-regional”, um evento científico preenchido de saberes que ultrapassam a academia, e que busca, sobretudo, gerar inquietações e movimento. O presidente do congresso convidou a todos para uma plenária, que acontecerá no último dia, onde as pessoas poderão, juntas, pensar a experiência destes dias imersos nas Ciências Sociais e Humanas em Saúde: “Propostas, e não só pesquisas, estão em nosso horizonte, de maneira que nossos enfrentamentos na construção compartilhada do bem viver e nossa afirmação da igualdade nas diferenças contribuam para a proteção do direito à saúde, para a preservação do SUS. Conto com a presença de vocês em todas as etapas desse congresso, comprometidos, seguindo em frente com nossas forças e unindo forças ao mesmo tempo, academia, serviço e militância”, concluiu. Leia o discurso completo.
A Abrasco segue comprometida com o fortalecimento do SUS
A presidente da Abrasco, Gulnar Azevedo e Silva, frisou que os nossos congressos são marcados pela capacidade de juntar pessoas – alinhando o conhecimento científico com os saberes populares e movimentos sociais: “Nossa principal motivação tem sido combater a extrema desigualdade e as injustiças sociais que assolam o nosso país. É nosso compromisso assegurar o direito universal à saúde para todas e todos os brasileiros. Continuamos comprometidos com o fortalecimento do SUS, lutando por todas as condições necessárias para a concretização de seus princípios, incluindo o aumento do financiamento público para saúde”.
Gulnar agradeceu aos que participaram da realização do 8º CBCSHS – a Comissão Científica, a Comissão Organizadora Local, a secretaria executiva da Abrasco, os apoiadores e a Universidade Federal da Paraíba, que alberga os tantos abrasquianos por aqui presentes: “Sabemos bem de todas as dificuldades por que passam as universidades públicas brasileiras. São muitos os ataques à autonomia universitária: os cortes no financiamento e o desrespeito com professores, estudantes e funcionários. Nada disto é por acaso, faz parte de um projeto político que não aceita a liberdade de pensar, a distribuição de renda e o desenvolvimento sustentável de nossa nação”.
Ela reforçou, ainda, que este é o 8º evento da Abrasco no Nordeste, terra que soube dizer “não ao retrocesso” nas urnas: “Nós todos nos orgulhamos muito do Nordeste brasileiro. Muito mais do que trazer para cá nossa experiência profissional e o fruto de nossas pesquisas, estamos aqui para aprender com vocês. Aprender como exercer, de fato, a solidariedade com criatividade e esperança, buscando uma saúde integral e uma vida melhor para todas e todos”. Leia o discurso na íntegra.
Território: nosso corpo, nosso espírito
Elisa Urbano Ramos, mulher indígena do povo Pankararu, representou a articulação dos povos e organizações indígenas do nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. Elisa fez uma fala forte, em nome dos povos originários do território brasileiro, exigindo respeito aos métodos de cuidado e saúde diferentes dos cientificistas modernos: “Apesar de toda negação e violação de direitos, apesar de todo extermínio dos nossos povos ao longo desses séculos, esses saberes continuam em nossas aldeias, nas nossas comunidades tradicionais, em meio aos nossos velhos, velhas e jovens também. A saúde que nós falamos tem componentes espirituais, de prevenção e de cura – da mesma forma que consideramos vacinas e comprimidos, consideramos os chás, as ervas e os ensinamentos que nossos antepassados nos deixaram. Concluo com a fala de nossas mulheres indígenas: ‘território – nosso corpo, nosso espírito”.
Renato Tasca, representando a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS/OMS) recordou que a Abrasco foi fundada na casa da entidade, em Brasília, em um movimento de fortalecer a sociedade científica para a redução das desigualdades: “Não foi uma casualidade, já nesse momento [em 1979] a OPAS tinha muito clara a ideia de que era necessário construir organizações fortes, entidades que trabalhassem com a ciência, que produzissem conhecimento. Todos grandes avanços da nossa sociedade foram graças ao conhecimento. Me sinto totalmente parte desse processo, da existência da Abrasco hoje”.
Nísia Trindade, presidente da Fundação Oswaldo Cruz, saudou os presentes reforçando o seu envolvimento com a Abrasco e com as Ciências Sociais e Humanas em Saúde: “Participo dos congressos de CSHS da Abrasco praticamente desde sua criação, participei passo a passo dessa construção – e é com muita alegria que estou aqui hoje como presidente da Fiocruz. Sempre sou lembrada como a primeira presidente mulher, mas compartilho tambpem com vocês a alegria de ser a primeira socióloga a presidir a Fiocruz, uma instituição em defesa da vida”.
Compuseram também a mesa de abertura Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde; Lindinalva Dantas, representando o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde; Renata Nóbrega, representando a Secretaria de Estado de Saúde da Paraíba; Adalberto Fulgêncio, Secretário Municipal de Saúde de João Pessoa e Raimundo Barroso, representando a reitoria da UFPB.
Todas as fotos da abertura estão no Flickr da Abrasco
https://abrasco.org.br/eventos/congresso-brasileiro-de-ciencias-sociais-e-humanas-em-saude/debate-40-anos-abrasco/42962/
https://abrasco.org.br/eventos/congresso-brasileiro-de-ciencias-sociais-e-humanas-em-saude/celebracao-40-anos-abrasco/42936/