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“Penso em um IMS que mantém viva a expectativa de fazermos muito para a Saúde Pública do Brasil”

A fala calma não esconde a preocupação frente ao cenário de falência por que passa o Estado do Rio de Janeiro e, por consequência, as dificuldade vividas pela principal universidade estadual, a Uerj. Eleita com apoio dos três departamentos em outubro do ano passado, Gulnar Azevedo e Silva tomou posse da direção do Instituto de Medicina Social em 1º de março último. O vice-diretor é Rossano Lima. Atualmente, o IMS conta com 47 professores no quadro permanente e atende cerca de 70 alunos no Programa de Pós-Graduação, além do ensino da Saúde Coletiva aos alunos da graduação de Medicina.

Formada em Medicina pela mesma Uerj e com doutorado pelo Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (DMP/FM/USP), Gulnar é uma das principais autoridades nacionais em epidemiologia do câncer e fatores de risco para doenças não transmissíveis, já tendo sido coordenadora de prevenção e vigilância do INCA por cinco anos (2003-2007). Compôs também, na década de 1990, a Comissão de Epidemiologia da Abrasco.

Em entrevista realizada um mês após a posse, ela fala das ideias e perspectivas para a condução do instituto, um dos pilares de fundação do campo da Saúde Coletiva brasileira e responsável por um dos programas de pós-graduação com a avaliação máxima nos critérios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para manter esse patamar, uma das principais ideias é formar um conselho assessor composto por ex-professores e pesquisadores que por lá passaram e que ainda têm muito a contribuir, além de priorizar pesquisas que dialoguem diretamente com as condições de saúde do estado do Rio de Janeiro.

Abrasco: Qual a sua atual leitura das atuais condições políticas e administrativas do IMS/Uerj?

Gulnar Azevedo: Assim que assumi a direção, a Universidade entrou em greve. São muitos os problemas, mas contamos com a construção do consenso em torno do nosso plano de direção. Estamos trabalhando na perspectiva de garantir que o IMS mantenha sua excelência como programa de pós-graduação, mas também que tenha uma participação ativa frente às questões que envolvem as condições de vida da população, em especial a do estado do Rio de Janeiro. Entendemos que este é um importante papel dentro desse grande movimento em prol da Saúde Pública e da defesa do SUS.

Abrasco: Quais são os desafios internos para garantir a manutenção dessa excelência do IMS/Uerj?

Gulnar Azevedo: Primeiro é garantir que todos os grupos de pesquisa continuem suas atividades. Embora tenhamos três departamentos com concentrações distintas, somos um só programa. O grande desafio é sempre este: manter esta união no sentido de que o campo de conhecimento da Saúde Coletiva não seja fracionado. Os outros desafios são manter o vínculo da produção do conhecimento dos pesquisadores em prol da Saúde Pública e que a gente possa garantir um nível de qualidade na produção científica dos alunos.

Abrasco: Quais os desafios externos do IMS frente ao cenário de sucateamento da universidade?

Gulnar Azevedo: O IMS como um todo aderiu a greve, suspendendo as aulas para a graduação em Medicina e demais atividades, apesar de termos mantido o cronograma da pós-graduação, como defesas e aulas, por conta dos prazos e obrigações com o CNPq e a CAPES, seguindo orientação do próprio do comando de greve. Existe também o consenso de que, em eventos importantes como assembleias e debates, as atividades de aula devem ser suspensas em prol da greve.

Um dos compromisso da campanha e que compôs a carta de intenções à comunidade do IMS trata desse desafio de dar prioridade aos projetos de pesquisa que tenham o foco no estado, uma vez que estamos em uma universidade do Estado do Rio de Janeiro. Trabalhar com os municípios, com as grandes questões e problemas da saúde fluminense e demais aspectos da realidade estadual é uma dessas prioridades.

Abrasco: A crise do estado do Rio de Janeiro não é apenas na educação, mas também na Ciência & Tecnologia, atingindo diretamente a Fundação de Amparo à Pesquisa, a Faperj, que vem atrasando as bolsas e fechando editais. Como os docentes da Uerj e do IMS em particular estão lidando com a questão?

Gulnar Azevedo: Está em curso uma grande mobilização para que não sejam reduzidos os valores do Estado à Faperj. Houve inclusive uma audiência pública (em 16 de março), com ampla adesão e participação. O atual reitor, o professor Ruy Marques, foi presidente da Faperj e está comprometido com esta luta. Parece que o projeto saiu de pauta, mas temos de assegurar a manutenção dos repasses. A crise do Estado é muito grande. A parte de serviços terceirizados, como limpeza, infraestrutura, segurança estão completamente comprometidos. Algumas bolsas também estavam atrasadas e ainda não estão regularizadas. O nosso salário, que vem tendo sua data de pagamento sucessivamente atrasada, agora sofre com ameaças de parcelamento. Com esse momento de incertezas, até por conta do quadro de saúde do governador, não sabemos o que irá acontecer.

Abrasco: A saúde é uma área de posicionamento crítico, marcada historicamente pelo enfrentamento aos desmandos dos poderes e por questionar a ordem social. Qual a contribuição que a Saúde Coletiva pode oferecer nesses momentos de crise política, quando é posto em cheque conceitos como representatividade e democracia?

Gulnar Azevedo: O IMS teve papel histórico muito importante, não só na construção do campo da Saúde Coletiva como na própria atenção do SUS. Grandes pensadores que estiveram à frente dessa história, como Hésio Cordeiro, José Noronha, José Luiz Fiori, Reinaldo Guimarães, Maria Andrea Loyola, Madel Luz, Jurandir Freire, entre outros. Queremos que esse papel continue vivo. Nesse sentido, está em processo de organização um conselho formado com esses professores. Já estamos discutindo com eles a montagem desse grupo assessor, para que possamos aproveitar a experiência que eles já tiveram. Acho que o IMS pode ajudar e muito a descobrir novas formas e estratégias para que o SUS continue a ser o que é, mas melhorando sua qualidade. Temos de buscar fortalecer não só a questão do acesso universal, mas assegurar a qualidade da assistência prestada.

Abrasco: Nessa perspectiva, qual seria a agenda cientifica do Instituto?

Gulnar Azevedo: Temos um papel importante na Saúde Mental, um grande capital nesta área, tanto no aspecto social como no levantamento epidemiológico. No campo da epidemiologia, temos ainda uma importante contribuição para o Brasil nas pesquisas sobre doenças transmissíveis, como tuberculose e leishmaniose, e também na questão da violência e das doenças crônicas. No planejamento, há uma forte formação de pensadores da Economia e Saúde, dedicados a temas como análise de custo-efetividade, incorporação de novas tecnologias e formação de Recursos Humanos, além da discussão do cuidado e da integralidade, na qual o IMS tem uma expertise.

Abrasco: Que IMS espera entregar para a próxima gestão daqui a quatro anos?

Gulnar Azevedo: Penso em um IMS que mantém viva a expectativa que podemos fazer muito para a Saúde Pública do Brasil. Um instituto que possa mostrar, com pesquisas e conhecimento aplicado, que o SUS foi um investimento correto, que avança e tem possibilidade de muita melhora, de conquistar mais efetividade. Vejo também o IMS como um espaço de amplo debate. Um espaço que dê abertura para as pessoas trazerem suas ideias e que elas sejam debatidas sem preconceitos nem pós-conceitos, mas sim de forma integrada com as várias vertentes do pensamento da Saúde Coletiva. Um espaço que construa e fortalece esse importante objeto que é a Saúde Coletiva, no qual os alunos tragam suas pesquisas e que elas sejam acolhidas e amplificadas.

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