Campeãs de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, as operadoras de planos de saúde têm buscado todas as estratégias para mitigar as reclamações dos usuários sem oferecer serviços e procedimentos como manda a lei. E, infelizmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ao invés de acompanhar rigorosamente a prestação dos serviços, cobrar melhorias e acionar os mecanismos de cobranças de multas quando constatadas as irregularidades, não envida esforços para facilitar os lucros e mitigar os problemas das empresas que deveria fiscalizar.
Em 13 de abril, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assinou dois termos de cooperação técnica: um com a ANS e outro com a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) e Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) que resultaram na criação do Núcleo de Apoio Técnico e Mediação (NAT).
Ao receber o pedido de liminar envolvendo coberturas de procedimentos por de planos de saúde, o magistrado encaminharia os dados processuais da demanda para o Núcleo composto por assessores das entidades antes de analisar o pedido. As operadoras ofertariam ao magistrado um parecer técnico sobre a urgência do caso, com detalhes do tratamento pleiteado negado; e/ou uma proposta de composição amigável.
O serviço já está em funcionamento e para tal, as entidades empresariais gastaram cerca de R$ 70 mil tanto na reforma de uma sala dentro do Palácio da Justiça quanto na aquisição de mobiliário e de equipamentos de informática e tecnologia, num cenário bem distinto do encontrado nos núcleos de apoio jurídicos voltados à população.
No intuito de dialogar com a Presidência do Tribunal e apresentar argumentos jurídicos e políticos a respeito da gravidade da criação desse Núcleo, a Abrasco junto com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor- IDEC; Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de São Paulo – NUDECON; a Fundação Procon-SP; a Proteste Associação de Consumidores; a Associação das Advogadas de São Paulo; a Associação Juízes para a Democracia, e a Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP, assinam conjuntamente carta direcionada ao desembargador José Renato Nalini na qual explicitam que o NAT constitui medida inadequada para a solução dos problemas do consumidor e pode prejudicar o acesso a tratamentos necessários para sua saúde e vida.
Acesse aqui o PDF do documento, leia abaixo a carta na íntegra e assine aqui o baixo-assinado do Idec
Exmo. Sr. Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, José Renato Nalini,
Considerando o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional disposto no art. 5º, XXXV, da nossa Constituição Federal, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Considerando que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor e que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o princípio da defesa do consumidor nos ditames dos arts. 5º, XXXII e 170, V, da nossa Constituição Federal;
Considerando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação e serem de relevância pública as ações e serviços de saúde, nos termos dos arts. 196 e 197 da nossa Constituição Federal;
Considerando o princípio da igualdade e isonomia processual (art. 5º, caput, da Constituição Federal e 125, I, do Código de Processo Civil) e o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, bem como o direito básico do consumidor à a facilitação da defesa de seus direitos (art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor);
Considerando que são direitos básicos do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas e o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados (arts. 6,VII, do Código de Defesa do Consumidor);
Considerando que o objeto do contrato de plano de saúde é a assistência integral à saúde, e não a parte dela, e que são nulas de pleno direito cláusulas contratuais que restrinjam direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual, bem como as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (arts. 51, IV, § 1º, I a III do Código de Defesa do Consumidor);
Considerando que o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreende partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, admitindo-se somente as seguintes exclusões de cobertura: (i) tratamentos clínicos ou cirúrgicos experimentais, de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética ou ilícitos ou antiéticos; (ii) procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim ou não ligadas ao ato cirúrgico; (iii) inseminação artificial; (iv) fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados ou para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12 da Lei nº 9656/98; e (v) casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente (art. 10, I a X, da Lei nº 9656/98);
Considerando o princípio da integralidade das ações na atenção à saúde na saúde suplementar disposto no art. 3º, II da RN nº 338/2013 e que, no entanto, o Rol de coberturas devidas pelos planos de saúde elaborado pela ANS exclui cobertura de procedimentos que não se enquadram nos incisos I a X do art. 10 da Lei nº 9656/98 e que mais de 400 procedimentos reconhecidos pela Associação Médica Brasileira em sua Classificação Brasileira de Procedimentos Médicos Hierarquizados (CBHPM) não estão no Rol da ANS (RN 338/2013 da ANS);
Considerando que o fumus boni iuris e o periculum in mora são requisitos presentes no caso de ações de cobertura de procedimentos em planos de saúde, posto que tratam-se de ações para garantir a integridade física e a vida do consumidor;
Considerando a Súmula 102 deste Tribunal de Justiça, segundo a qual “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”, e tendo em vista a confiança que depositamos nesta Corte com seu comprometimento com o Estado Democrático de Direito;
Entendemos que o Núcleo de Apoio Técnico e Mediação (NAT), firmado por meio de Termo de Compromisso com a Agência Nacional de Saúde Suplementar e entidades representantes de operadoras de planos de saúde (Abramge e Fenasaúde) constitui medida inadequada para a solução de conflitos de cobertura de procedimentos para os consumidores e que tal iniciativa deve se dar em esfera extrajudicial, não durante o processo judicial e, principalmente, como condicionante para a análise de antecipação de tutela.
Nesse sentido, respeitosamente, manifestam-se as seguintes entidades signatárias.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
IInstituto Brasileiro de Defesa do Consumidor- IDEC
Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de São Paulo – NUDECON
Vidal Serrano Nunes Junior (Procurador de Justiça Coordenador do CAO Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo)
Fundação Procon-SP
Proteste Associação de Consumidores
Associação das Advogadas de São Paulo
Associação Juízes para a Democracia
Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP
Aliança de Controle do Tabagismo + Saúde – ACT+
Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário – CEPEDISA